Desde sempre, o ser humano parece buscar algo que preencha um vazio. Algum objeto, herói, algum objetivo que torne menos enfadonha e irracional a sua vida; que diminua a sangria no derradeiro destino de viver e morrer. Essa busca tem consequências para outros: boa parte delas extrapolam desejos que geram, muitas vezes, a impossibilidade de deixar as pessoas livres para buscarem livremente seu próprio sentido para a vida. E eis que isso é um problema.
Não somente acreditamos em algo que nos dê sentido. Mas algo que nos preencha, diminua nossa angústia perante a existência. Esta tende a aparecer em vários momentos da vida como injusta, incoerente, dolorosa. Por que sentimos que há alguma coisa que incomoda? Como diria o filósofo argelino Albert Camus, nos sentimos estrangeiros, exilados aqui, jogados ao acaso neste lugar absurdo. Seria essa falta a motivação na busca de algo que não sabemos exatamente o que é, mas que nos incita a continuar procurando? A falta impulsiona o viver?
Essa motivação na busca, que parece ser individual, tem colocado empecilhos a nossa convivência. Porque quando acreditamos que estamos a sós para percorrer algo que diminua a dor e a amargura que sentimos em muitos momentos, esquecemos que outras pessoas partilham desses sentimentos. Mais do que viver, deveríamos aprender também a conviver! Nos esbarramos sem entender que a sina da falta, da incompletude, também arrasta outras individualidades. É a partir daí que as discórdias surgem. A discórdia como carência de empatia na percepção de que o outro é um ser incompleto como nós, na busca de algo que não é claro, mas, mesmo assim intuímos.
Somos fadados a cair em um grave equívoco: acreditar que em algum ponto da nossa busca deciframos o enigma, resolvemos a grande charada. Sim, muitos acabam encontrando a âncora que deverá eliminar todas as desilusões e cessar com toda aquela busca arrebatadora. O preenchimento do que parecia ser incompreensível. A determinação de todo o resto. E ao cair nessa ilusão incorremos no erro de cerrar o olhar aos sinais mais simples que passam à nossa volta. Acreditamos, seriamente, que toda a explicação da falta foi encontrada, e projetamos isso para todos. É como se o mistério, o santo graal da própria vida tivesse sido desvendada, e tudo que vem depois seria apenas resíduos, pequenos detalhes que significam pouco.
Quando ficamos encerrados em nós mesmos, iludidos por ter encontrado a chave da nossa incompletude, ficamos cegamos e queremos cegar a outros espíritos com nossas convicções. Desejamos soprar nos ouvidos das pessoas a verdade; que basta se entregar ao que foi descoberto e mergulhar todo nosso sentimento, toda nossa potência mental naquele alvo. Este pode ser um lugar ideal, uma ideologia, uma religião inquestionável, um conceito absoluto de arte, uma personificação divina em algum ser humano, ou uma grande descoberta pseudocientífica que desvenda todo o mistério. Sim, quantas e quantas pessoas você conhece que só encontra motivo para viver contaminando outros a partir dessas referências petrificantes?
Espíritos menos audaciosos, mais humildes e abertos continuam a caminhada, mesmo sabendo que a morte é uma iminência inescapável. Intuitivamente, acolhem com simplicidade que a vida sempre terá algo a nos ensinar. Sabem que a todo instante podemos olhar para ela e refletir sobre coisas que não havíamos pensado. Coisas simples que passavam ao largo da nossa atenção, sobretudo sobre nossas ações. Sim! Passamos a nos direcionar: nosso jeito de falar, escutar, observar, sentir e cheirar. Passamos a questionar se aquilo que nos falta e nos incompleta está realmente lá em alguma coisa ou algum lugar, e voltamos a nós mesmos na busca desse vazio.
Para alguns essa lacuna, essa incompletude, seria próprio da natureza humana. Seja como for, essa busca é comum a todos, conscientes disso ou não. Se ao atingir a consciência desse caminho formos sinceros conosco, entenderemos que nunca teremos razão diante da multiplicidade de sentimentos, desejos, frustrações, angústias e descobertas de pessoas comuns. Não selaremos uma unidimensionalidade, e, portanto, não enquadraremos tudo e a todos em um mesmo esquema mental. Como dirá Camus, em Mito de Sísifo, "meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um principio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las".[1] Simplesmente, ao se colocar no lugar do outro reconheceremos que estamos todos no mesmo barco.
[1] CAMUS, Albert. O mito de sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2008