Caros leitores, essa semana passearemos brevemente pelos horizontes da sombra, pessoal e coletiva, aquele reflexo que muitas vezes nossa miopia não nos permite ver.
Antes, porém, é necessário trazer à memória o projeto pós-moderno que gerou o homem sem vínculos, solto no mundo, cujo lugar é nele mesmo. Um indivíduo, portanto, que conhece o preço de todas coisas mas desconhece o seu valor, desconhece a realidade em que vive e o que está a sua volta.
Embora o homem pós-moderno tenha a ilusão de lugar em si mesmo isso não necessariamente significa um conhecimento sobre si. Muito pelo contrário. O que se percebe no advento da contemporaneidade é uma falta existencial de sentido da vida. O niilismo não ficou na modernidade, a falência de uma avaliação das coisas persiste nos dias atuais. Nem sempre ver e ouvir são sinônimos de enxergar e escutar. A superficialidade das coisas, o imediatismo e a fugacidade do tempo rouba-lhe o demasiadamente humano que lhe contém.
Somos constantemente bombardeados por imagens assustadoras de um mundo violento e em constante crescimento do seu potencial destrutivo. Muitas vezes fechamos nossos olhos e ouvidos, admitindo para nós que não se fala de corda em casa de enforcado. Consequentemente, cria-se a ilusão de uma homeostase inalterada, permanente e falsa.
A nível global podemos trazer para nossa análise os atentados terroristas da última semana que aconteceu na Espanha, onde quinze pessoas perderam a vida. A pretensão não é fazer uma análise política, mas da condição humana. O que leva, move, direciona a alma humana a autodestruição?
Freud e Jung traz a noção o entendimento das sombras como energias negativas que que todos nós carregamos em nossa interioridade e que tem um poder intenso sobre nossas emoções e comportamentos. A sombra tem uma força, um poder de atuação dentro de nós. Esse poder que a sombra tem é amplificado de uma forma muito maior quando há a formação de uma sombra coletiva. O poder das sombras individuais não é somado; ele é, na verdade, multiplicado, levando um grupo ou até mesmo uma sociedade inteira a agir de uma maneira insana. Isso já aconteceu no passado na história do mundo, nos extermínios em massa, e ainda acontece hoje nas guerras e conflitos que existem no planeta.
Os seres humanos conscientemente criaram vastas civilizações como cenários para a sua evolução. No entanto, em nível inconsciente, temos acumulado uma história que vai muito além da experiência de qualquer pessoa ou época, individualmente. O que aprendemos a chamar de “eu” na verdade é “nós” em grau muito mais abrangente do que imaginamos.
A dificuldade para a mudança do coletivo se inicia na instância individual. A melhor forma de ajudarmos o externo que a nós se apresenta é integrando e transformando, primeiramente, nossa sombra individual. Para isso, portanto, é necessário um retorno a si mesmo, um processo continuum de autoconhecimento. Acredito que só a partir disso podemos alcançar uma revolução ética e filosófica, tão necessária nos dias de hoje.