Quanta facilidade temos em baixar uma música por via da internet! Aplicativos para ouvir, programas para baixar, centenas de milhares de coleções de variados artistas que podemos obter em sites específicos ou não. Quem ouve música assim como respira, tem oxigênio sonoro que não acaba mais! Tem pra todos os gostos. E ainda tem muita coisa boa nos subterrâneos da rede. Mas a reclamação sobre a qualidade do que chega a nossos ouvidos nos dá a impressão que boa parte do que se ouve é só tranqueira. Vejo e ouço direto sobre comparações entre as canções atuais e antigas.
Comparar é forçar um pouco a barra. Cada época expressa um conjunto de fatores que o torna único para as circunstâncias vividas em determinada ocasião. Não sei se meu objetivo é estabelecer essa comparação. Quero falar das nuances envolvidas na produção musical em nosso país e talvez em outros também.
Li o livro do produtor musical André Midani intitulado “Música, ídolos e poder: do vinil ao download” no qual ele conta toda sua carreira e seu entrosamento e amizades no meio musical enquanto estabelece a passagem entre esses dois meios de se consumir música. A medida que se lê o documento, o leitor se dá conta de quanta gente boa foi aparecendo no cenário musical através dessas décadas e o que dá a ideia já formada de gerações espetaculares de artistas e compositores, desde as rainhas do rádio até o rock dos anos 80. Depois o conteúdo artístico parece que foi minguando até estarmos passando por uma provável crise de boas produções e músicas “que preste”.
Bom, pra alguém fazer sucesso passava por um processo que incluía um trabalho autoral, um produtor “de peso”, contrato com gravadora, vendagens de discos, e execução radiofônica. Por força dessa conjuntura surgiram nomes formidáveis que sempre farão parte da nossa história de vida entremeada de trilhas sonoras para diversas fases que passamos (quem não tem uma música que descreveu um determinado fato ou acontecimento vivido?). Mas como estão as coisas hoje?
As gravadoras não tem mais aquela força, os produtores são menos assediados e as rádios não são aquele termômetro para indicar grandes sucessos. Tudo se reverteu para a internet. Com isso, aconteceu algo que me chama atenção e – ao meu ver – tem relação com uma provável ou visível queda de qualidade na nossa música: sem a gravadora, não há mais um filtro que determine o que será lançado ou não. Tudo teria começado quando a pirataria tomou as ruas do país. O DVD era o artigo que estava mais ao alcance para ser desfrutado. Isso teria sido o tiro de misericórdia na indústria fonográfica. Além do mais, a música virou quase um descarte. Com o pirata mais barato, fulano comprava aquele material para ver no fim de semana e dificilmente via de novo pois adquiria um novo material e assim era um péssimo negócio comprar o original pelo triplo ou quadruplo do preço para depois ficar jogado em um canto. A velocidade com que aparecia um DVD novo artificializava o conteúdo, digamos assim. E o produto musical foi ficando menos valorizado. É verdade também que um ou outro grupo, antes disso, conseguia sucesso efêmero não sei como, caso do Bonde do Tigrão (alguém lembra?????)
Voltando a falar do produtor, ele seria mais ou menos o olheiro do futebol. Ele veria aquele rapazote que será lapidado para ser um futuro craque. Muitos craques dos gramados surgem assim. E muitos artistas também foram descobertos dessa forma. Porém, ao que parece, qualquer um pode mandar um vídeo, áudio ou dancinha pelo Youtube e assim passar a ser visto e difundido. Daí ser então puxado para um projeto mais profissional. Ficou mais democrático. E assim canções mais ritmadas, animadas, e festejadas (mais palatáveis e com maior capacidade de chamar atenção) ganharam força. Proliferou-se mais um número de pessoas que arriscam passinhos ou refrãos pegajosos facilitando o número de acessos. O produtor foi supostamente substituído pelas visualizações. Seria o consumidor que dá o grau de confiabilidade para algo fazer sucesso?
Convenhamos: se houver dependência do “contribuinte” para nivelar se aquele grupo, cantor, ou interprete que vai ser o novo ídolo do próximo verão, não quer dizer que aquele profissional que tem conhecimento técnico e apurado para desvendar novos talentos – seja assistindo a um show, performance, ou esteja em um programa de TV - esteja em decadência ou extinção. Não. É que ouvíamos aquilo que chegava a nossos ouvidos. Ouvíamos o que era posto, como se precisássemos de terceiros como dependência do que iriamos apreciar. Isso caiu um pouco por terra.
Vejamos: Se você reclama que tudo hoje “está uma merda”, talvez lhe falte o hábito de procurar, ir a caça daquilo que você almeje. Garimpar. Procurar até o fim aquela esmeralda. Tudo está a sua disposição pelo mundo virtual. Mas tem que procurar. As vezes muito. Se pegávamos vinis ou cds emprestados, se escutávamos no rádio (que nos últimos dez anos foram se tornando veiculadores de notícias, com a proliferação de programas jornalísticos) ou se gravávamos em fitas cassete, hoje precisamos navegar nos mares da web. Eu mesmo já achei foi coisa boa. Não se pode ficar esperando a comida chegar na boca, quase sempre mastigada. É preciso cozinhar. Tem muita, mas muita música dita de qualidade por aí perdida nos oceanos de endereços do Google. É por isso que nos equivocamos em dizer que tal artista sumiu, está no ostracismo ou não está fazendo nada novo. Eu mesmo já cai nesse esparro. O trabalho do cara está lá. Deixe de preguiça e pare de reclamar. Search and listen.
Fontes:
MIDANI, André. Música, ídolos, e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.