
No último sábado, dia 18 de novembro, ocorreu a III Marcha do Empoderamento Crespo, no centro de Salvador. O evento é organizado por um grupo de mulheres negras que atuam em prol do fortalecimento da mulher no cenário social, na conquista por direitos e do respeito ao corpo negro através do cabelo como marco simbólico. Dez mil compareceram à Marcha, que contou com agentes políticos, jovens, universitários, proporcionando uma tarde de encontros e conscientizações.
À frente da organização estão jovens mulheres, negras, belas, e com disposição para reivindicar pautas para a promoção da mulher negra em sua luta para se estabelecerem em uma sociedade racista e machista. Muito bom saber que o movimento ganha corpo e visibilidade, ganhando ascensão e destaque nas mídias. Uma de suas principais líderes é minha querida colega Naira Gomes, antropóloga que estuda a estética negra através do cabelo como representação da identidade feminina e consolidação da negritude.
Porém, o que passo a escrever aqui é sobre um episódio que ocorreu durante a Marcha. Poderia continuar falando sobre a organização, o evento, a importância de jovens mulheres estarem se posicionando com firmeza em suas ideologias. Mas acho que elas estão conquistando esse espaço e não me sinto confortável na tarefa de falar por elas – já que as mesmas provam ter protagonismo suficiente pra isso, como destacado. Até porque o fato que vou transcorrer aqui não chegou a atrapalhar o sucesso da caminhada. Mas provou a sucessão de equívocos que se elabora nas redes sociais sobre uma imagem, uma fala, um texto, uma obra de arte, uma exposição e tantas outras ocasiões em que erros graves de interpretação terminam por serem tentativas de ofuscar o brilho e o sucesso dos outros.
A questão: quatro mulheres lindas e sorridentes posam para uma fotografia sentadas em um banco de praça. Ao lado delas, um suposto morador de rua deitado, alheio totalmente ao que se passa ao redor. O suficiente para algumas pessoas se incomodarem com a situação. Os comentários versavam sobre o descuido das meninas em se deixarem fotografar com um quadro de mazela social naquele estado; sobre o contraste chocante entre a alegria das meninas arrumadas e o descaso para com um maltrapilho morta-fome; e ainda, sobre o paradoxo que é o fato de mulheres provavelmente politizadas se mostrarem desinteressadas com um homem negro em situação desumana ali do lado e supostamente não mostrarem a mínima indignação.

Foto de Leo Ornelas
Bem, pode até ter sido ingenuidade das moças deixar se enquadrar nessa postagem. Pode-se até pensar “com tanto banco vazio, foram sentar logo nesse, espremidas num cantinho?”. E é aí que está o cerne da imagem: será mesmo que foi inocência?
E aí posso dizer que não basta analisar uma foto baseando-se em hipóteses e suposições. Cada comentário tem uma visão e encaminhamento de posições sobre o ocorrido, o que comprova que ninguém sabe ao certo porque a foto foi tirada. E aí não cabem julgamentos nem elaborações baseados em onde se deve tirar uma foto, com quem, com qual fundo, com qual enquadramento…Uma imagem que se difunde assim não é suficiente para uma aula de fotografia!
Digamos que haja uma caminhada evangélica, ou qualquer coisa do tipo, e um dia após surja uma fotografia com três pessoas comendo um salgado ao lado de um mendigo - que não come nada. E comecem a falar do contraste que é um grupo que fala tanto de caridade e amor ao próximo se deixar postar naquela situação. A pergunta: quem garante que aquelas pessoas que participaram da fotografia são evangélicos? Só porque estão nas proximidades do evento? Uma foto dessa é suficiente para ligar essas pessoas ao evento e desancar paradoxos? As meninas da foto poderiam ser participantes, mas quem garante que estavam passando na hora, sem saber do que acontecia, tiraram a foto e seguiram a passeata? Então, não se pode categoricamente associar um grupo de pessoas a uma reunião pública, assim como postura individual com discursos coletivos, ok?
Outra situação bem possível: Uma jogada publicitária! O fotógrafo falou com as meninas de um trabalho de marketing, de uma ideia, campanha, marca, ou produto, explanando sua intenção, e ter tirado a foto para aguardar as reações sobre ela. Ah, e o rapaz seria um ator. Por que não???
Sendo assim, a foto também não deve – e aí tenho a obrigação de fazer esse discernimento – se confundir com um acontecimento da Marcha!! Quando falei da Marcha foi justamente para desenhar um cenário que desembocou na polêmica, e não realizar vínculos. Longe disso! Parti do macro para o micro. Teria que contextualizar falando da importância do evento primeiramente e depois partir para uma análise de um fato isolado que,reitero,não comprometeu em nada. Aliás, as características da imagem tem mais a ver com as equivocadas interpretações sobre eventos desse porte – que tem constantemente virado noticia, como quadros de mostras culturais, exposições canceladas, frases infelizes, conteúdos jornalísticos, sentenças judiciais, etc. Quis até propalar o sucesso da marcha para tocar no assunto da interpretação focal descrita como ato desfocado e desgarrado do evento, com algumas pessoas que provavelmente participaram da caminhada.
Por fim, como se tem falado, não são as meninas ali que deveriam ajudar o homem e mudar assim séculos de uma situação estrutural. E também coloquei a foto no corpo do texto e não como “capa” do artigo, para não ficar apelativo e sensacionalista demais. Sucesso total à Marcha do Empoderamento Crespo que permanecerá como importante organização em defesa das mulheres negras. A foto? Essa vai cair no profundo fosso do esquecimento.
Fontes:
http://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/marcha-do-empoderamento-crespo-reune-dez-mil-pessoas-na-avenida-sete/