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Você é conservador ou progressista? Uma breve síntese

Minha coluna de hoje é uma breve explicação sobre o que é ser conservador e progressista. Sem esgotar o tema, meu desejo é incitar reflexões que possam ampliar o nosso conhecimento sobre as diferentes formas de olhar a realidade individual e coletiva.

Ser conservador é não arriscar-se andar no escuro. Se por acaso tenta fazê-lo, utiliza algum recurso para iluminar o caminho, como cautela para evitar o inesperado. O progressista, pelo contrário, não tem medo do escuro; pode se lançar contra o mistério sem receio do que possa vir a ocorrer. O caminho para o progressista ideal é encarado sem talvez, pois a coragem é seu forte. É como Prometeu que rouba o fogo dos deuses ignorando as consequências. O progressista ideal chamará o conservador ideal de covarde.



Imagem de Prometeu acorrentando depois de ter roubado o fogo dos deuses para criar o homem.



Mas, para o conservador, a covardia não é um adjetivo pejorativo, pelo contrário, é uma qualidade respeitável. A covardia evita que ao tentar dar um passo além do esperado, ou como dizem em um ditado comum, “colocar a carroça na frente dos bois”, a pessoa não pise em falso e prejudique a si e a outrem. A covardia impede atos bruscos e inesperados, pois o conservador ideal prefere manter o status e os ajustes graduais. E, mais, ser covarde não é ser estático, mas, sim, ser prudente quanto a qualquer mudança. O conservador, portanto, se dispõe a valorizar os confortos do presente porque são familiares.


O progressista ideal tem o futuro como seu norte; não se acostuma e não se conforma com o que a realidade o propõe. Pois para o progressista a realidade é sempre incompleta, e se acostumar com a incompletude da própria existência é negar a essência humana, que é mutável, e fadado a plasticidade. Por isso que o progressista acredita que as mudanças virão sempre a beneficiar na melhoria da sua vida e da humanidade. Nesse sentido, o futuro, inescapavelmente, poderá trazer bons frutos em relação ao presente, pois não se pode acostumar-se a ele. A realidade seria uma porta aberta para um novo começo, um novo mundo.


O conservador "opõe-se ao culto do progresso, cujos devotos acreditam que tudo o que é novo é necessariamente superior ao que é antigo". ( KIRK, 2014, p. 110). O conservador ideal não acredita que toda mudança virá para o bem. Ele é cauteloso, pois é melhor se acostumar com o que tem do que arriscar algo que seja pior. Ele não é avesso a mudanças. Não! Também não louva o retorno ao passado, pois não é um reacionário. Mas a mudança não é o norte, o norte é a conservação. A conservação é fruto da estabilidade, da ordem, do conhecido.


É na conservação que é possível saber por onde caminhar com segurança e prudência. Afinal para o conservador o ser humano precisa de segurança para viver, e para isso acredita que as bases construídas gradualmente pela civilização são as verdadeiras pegadas que todos devem se guiar. Existe, aqui, uma consciência coletiva que incorpora ausentes e presentes numa mesma dimensão social, que são os costumes, hábitos e tradições legadas.

Quanto às mudanças, João Pereira Coutinho sintetiza claramente.



[...]As tradições são o ponto de partida de qualquer ação reformista consequente e prudente. [...] A reforma é necessária para se preservar (e melhorar) o que se encontra em risco [...] A inovação deve partir de uma situação concreta, não de mero desejo abstrato. Deve ser uma resposta a um defeito preciso. Deve ser pequena e parcelar. Deve operar-se lentamente e ser acompanhada passo a passo [...] (COUTINHO, 2014, 74-76).



O progressista é revolucionário! E para ser bem entendido, revolução não é sinônimo de violência física. Revolução são transformações que abalam o status quo. A revolução pode se dá por grandes disputas baseados em confrontos violentos, ou pode ser por mudanças pacificas articuladas no sentido de ruir as estruturas que promovem a conservação. Esta última forma de revolução pode ser chamada, didaticamente, de permanente. A revolução permanente (que aqui não tem nada haver com o conceito trotskysta) visa inculcar, consciente ou inconscientemente, na sociedade, que, o que o passado trouxe ao presente é insatisfatório, questionável, injusto e passível de ser reiniciado. Seja de forma violenta ou pacífica é da própria natureza humana não se contentar com o mundo tal como ele se apresenta. Portanto, o progressista ideal não se acostuma e jamais se contentará com o presente. Se sente estrangeiro em sua própria morada, arremessado no vale de lágrimas; expulso do Jardim do Éden.


Como dirá Michel Oakeshott, o progressista sempre questiona e julga baseado em um critério universal: a razão. A razão é o norte que coloca em xeque a realidade em todas as suas dimensões. “A razão é inimigo da autoridade, do preconceito, do meramente tradicional, costumeiro ou habitual” (OAKESHOTT, 2014, p.16). Logo, o progressista acredita na possibilidade infinita na condução racional dos assuntos humanos.


O progressista tem forte apelo para a técnica, pois acredita que assim é possível transformar o conhecimento prático (no sentido de não reflexão, não formulado por regras). Apelar para a razão é apelar para a individualidade, para si mesmo. É como na tragédia de Romeu e Julieta, de Shakespeare, no qual as personagens ao duvidarem da autoridade e da tradição escutaram a si próprios, por um amor proibido pelas convenções, como critério para a coerência da vida.


O progressista vislumbra a ausência de autoridade e poder a favor da liberdade e da autonomia do indivíduo. “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Frase de Rosa Luxemburgo. Ou na passagem abaixo de Karl Marx sobre autonomia do indivíduo.


[...] Um Ser só se considera autônomo, quando é senhor de si mesmo, e só é senhor de si, quando deve a si mesmo seu modo de existência. Um homem que vive graças ao outro, se considera a si mesmo um ser dependente. Vivo, no entanto, totalmente por graça de outro, quando lhe devo não só a manutenção de minha vida, como também o fato de que ele além disso criou minha vida, é a fonte de minha vida; e minha vida tem necessariamente o fundamento fora de si mesmo, quando não é minha própria criação [...] (MARX, 1974, p. 14).


Ainda, um progressista mais moderado ( liberal clássico) como Stuart Mill:


[...] a liberdade humana compreende o domínio inteiro da consciência demandando liberdade de consciência no sentido mais amplo, liberdade de pensamento e de sentimento, liberdade absoluta de opinião em todos os assuntos, práticos ou especulativos, científicos, morais ou teológicos. [...] a única liberdade que merece esse nome é a de perseguir nosso próprio bem de nossa própria maneira, isso enquanto não tentarmos privar os outros da sua liberdade, ou obstruirmos seus esforços para obtê-la. Cada um é o guardião de sua própria saúde, seja ela física, mental ou espiritual [...] (MILL, 2010, p. 53).


Ou seja, para um progressista mais radical ou mais moderado ( democrático), a medida é a autonomia da razão, a crença na sua capacidade de conduzir a si próprio e ao mundo em detrimento do poder do hábito e dos costumes, pois para os conservadores, "o individuo é tolo e a espécie é sábia", como escreve Russell Kirk parafraseando Edmund Burke. Em outras palavras, a consciência coletiva é mais confiável do que a consciência individual.


Por fim, a análise imputada nesse breve artigo não exaure o assunto. Tentei trazer ambas as visões de mundo, que são naturalmente vivenciadas tanto na esfera individual como em um espaço mais amplo, na política, para pensar se somos completamente ou idealmente conservadores ou progressistas. Talvez sejamos um pouco de cada um. Seja como for, espero que o tema incite novas reflexões.




Referências.




OAKESHOTT, Michael. Conservadorismo. Belo Horizonte: Editora Ãyine, 2016.


COUTINHO, João Pereira. As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2014.


KIRK, Russell. A política da prudência. São Paulo: Realizações, 2014.


MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos Terceiro Manuscrito. Coleção Os Pensadores. Tradução de José Carlos Bruni. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1978


MILL, Stuart. Sobre a liberdade. São Paulo: Hedra, 2010.


Fonte da imagem; http://portal-dos-mitos.blogspot.com.br/2013/02/prometeu.html




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