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RUMO A UMA ESQUERDA MUITO MAIS RADICAL: A sociologia dialética vs a sociologia genealógica


Muitos associam a dialética com a ideia de esquerda, como se fosse um vínculo necessário. Ser dialético é ser crítico, radical, intenso, profundo, não é? Será mesmo? E se essa mesma dialética não carregar tanta radicalidade como muitos imaginam? Se a resposta for positiva, qual seria o melhor substituto, qual deve ser a ferramenta crítica da esquerda contemporânea?


Na esquerda mais tradicional, aquela dialética, a crítica sempre foi pensada como um instrumento conveniente. O olhar de suspeita jamais é direcionado a qualquer lugar, a qualquer circunstância. Essa visão áspera, fria, anti-heroica, sempre foi uma arma direcionada apenas a coisas que amedrontam, insultam, ameaçam, ou seja, aquilo que Foucault chamou de poder negativo. A crítica, nesse modelo, sempre reduziu a si mesma ao mínimo necessário, a um tipo de saída confortável, uma espada, ou até um escudo. É preciso ir apenas até onde o pragmatismo permite, sem exageros, sem mergulhar muito nas profundezas da linguagem. Já que é preciso garantir o conforto necessário, a certeza dos valores defendidos, além da evidência do inimigo no horizonte, o pensamento, portanto, não deve se contorcer muito, sendo apenas direcionado ao que ameaça, ao que causa desprazer, desconforto, medo... nada além!


A genealogia nietzschiana e seu subproduto moderno, a associação livre, sempre recusaram esse modelo conveniente de critica, esse olhar restrito. O olhar da suspeita, nessa linha mais alternativa, não é apenas direcionado ao que incomoda, ao que ameaça, ao contrário. O grande desafio é lançar a suspeita sobre aquilo que nos constitui, aquilo que mais valorizamos, aquilo de nobre, puro e espontâneo. Não é nenhuma coincidência que a angustia, e não o conforto, seja a parceira do método genealógico e da associação livre freudiana. A crítica, nesse modelo, não é apenas direcionada a um inimigo, a um outro em relação a mim. De um modo estranhamente edipiano, essa crítica, no limite, é lançada sobre minha própria mãe, ou seja, é direcionada ao que amo, ao que gera conforto, segurança, estabilidade.


Ao contrário da crítica dialética, ao menos em seu uso popular, a genealogia e associação livre não reforçam o tão querido “ego”, criando estratégias para sua estabilidade, justificando muitas vezes seus deslizes e contradições. Esse “ego” não existe, muito menos a coerência em torno de si, aquela harmonia sustentada pela linguagem cotidiana. Sentado, durante uma análise, o sujeito jamais encontra uma saída reconciliatória, não encontra alguma jusitificativa confortável, ou algum modelo simplificado de conduzir a própria vida.


O olhar de suspeita, aquele anti-heróico, é conduzido, aqui, sem restrição, indo além da conveniência, gerando assim um desconforto inevitável no processo. Sem dúvida, esse desconforto não se esgota em si mesmo, em algum tipo de exercício niilista, ao contrário. A verdadeira mudança, além da verdadeira reflexão, surgem quando a linguagem é estendida ao limite, ou melhor, quando a linguagem vai além do seu próprio limite, de sua própria conveniência.


Na psicanálise lacaniana, existe uma distinção interessante, uma que pode nos ajudar a entender um pouco mais essas duas formas não apenas distintas, mas contraditórias de conduzir a crítica. Existe, por um lado, a chamada psicologia do ego, aquela da autoajuda, um tipo de recurso utilizado para reforçar a integralidade de um certo sujeito, justificando seus deslizes, incoerências e contradições, ou seja, garantindo uma estrutura prática simples e navegável. Por outro lado, existe a psicanálise, local onde o “ego” já não existe, ao menos enquanto coerência e obviedade. No método psicanalítico, basicamente genealógico, o objetivo não é uma linguagem que reforce os contornos de um certo sujeito, mas, muito pelo contrário.


É preciso mergulhar muito além dos encadeamentos pragmáticos, muito além da estrutura dualista e essencialista dos signos. O conforto não é, ao menos aqui, uma opção; a parceira de viagem é mais incomoda, mais desprezível, mais ambígua. Por outro lado, a verdadeira mudança surge justamente desse olhar sem ilusões, sem hipocrisia, ao entender o mundo como de fato ele é, ou seja, complexo, dinâmico e sempre em fluxo.


Referência da Imagem:


http://tag.jn.pt/o-que-e-ser-de-esquerda-ou-de-direita/

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