Ao entrar numa pós-graduação, ou mesmo antes disso, em um projeto de pesquisa qualquer, em algum momento uma pergunta surge na cabeça, sendo um tipo de coceira persistente, uma pedra no nosso sapato acadêmico. O que é uma pesquisa? Mesmo antes de um discurso preparado, até mesmo antes de uma palestra ou aula, existe um tipo de intuição sobre o fazer cientifico e seu percurso rumo ao conhecimento. Muitas acreditam que uma boa pesquisa nada mais é do que um passaporte, ou uma ponte que conecta sujeito e mundo. Quanto melhor a ponte, quanto mais segura, e mais fiscalizada, melhor seria o trajeto rumo ao verdadeiro, ao que existe. Ou seja, o objetivo, nada modesto, seria revelar os mistérios escondidos no mundo, ao trazer á tona as propriedades primárias ocultas, ou seja, sua objetividade perdida. Em nosso caso, nas humanas e seu olhar de suspeita, o núcleo a ser resgatado são os mistérios escondidos nas profundezas daquilo que chamam de social. Apesar dessa fachada positivista, do compromisso com fatos, evidencias, existe um outro motor subterrâneo em operação, uma vitalidade que corta essa atmosfera, um conjunto de critérios mais flexíveis. Esse é nosso objetivo de hoje, nesse ensaio: entender o subsolo de uma pesquisa, o que se esconde por trás do jaleco branco e do seu compromisso com técnicas e procedimentos.
A verdade, ao menos aquela como correspondência, parece ser um critério persistente em nossa grade curricular, basta ver as pilhas de metodologia espalhadas no caminho, especialmente na pós-graduação e seu compromisso com a pesquisa cientifica. Nesse cenário, é preciso manter os olhos abertos, ter o maior cuidado com o nosso precioso objeto, caso contrário ele pode escapar. A nossa linguagem, e o nosso corpo oscilante, precisam de rédeas, não podem simplesmente sair por aí sem rumo, sem planejamento, sem controle. Esse é o nosso discurso oficial, aquele retrato pendurado nos corredores, mas isso não é exatamente o que é feito na prática, no cotidiano das aulas, das palestras, das pesquisas de campo, da escrita acadêmica. Existe um tipo de hipocrísia nos bastidores, um esquecimento inconsciente, digamos assim.
Embora o positivismo não seja mais um conteúdo que circula pelos espaços, ou algum tópico presente em certa disciplina, ele continua ali, vivo, ao menos enquanto forma. A estrutura do curso, em especial na pós-graduação, deixa passar esse positivimo estrutural, ainda que não seja explicito. Ninguém, em sã consciência, pensaria em chamar a si mesmo de positivista, nem mesmo algum fã de Popper perdido por aí. Apesar da aparente resistência, o positivimo prevaleceu, dissolvido na nossa grade curricular, dissolvido no modo como as disciplinas sao organizadas e apresentadas aos alunos, criando um retrato contraditório, até mesmo hipócrita. Existe aqui uma espécie de incoerência entre a pesquisa como é apresentada, divulgada e compartilhada, e a pesquisa na prática, como é feita no dia a dia. Nós trabalhamos com linguagem, é meio que óbvio, sendo ela inclusive nosso critério ultimo de definição, nossa referencia máxima quando o assunto é avaliar o que existe. Em um nível fenomenológico, nós “sabemos” que o nosso critério de avaliação, aquele decisivo, nada mais é do que um pacote de signos associados, alem da performance envolvida nos arranjos entre as palavras, suas inflexões, metáforas, silogismos, ou seja, sua estética. Contudo, por algum motivo, isso não vem á tona, o que é no mínimo estranho.
Se por baixo do jaleco branco existe um critério estético óbvio, avaliando tudo e todos sempre, como explicar a atmosfera positivista? Por que ainda a fachada de uma busca por uma verdade e de um rigor incansável, ao lado de toneladas de método e de disciplinas que acompanham esse mesmo ritmo positivo, se não é essa a legítima motivação? Se o critério é a linguagem, e seu potencial interno, por que não existem disciplinas muito mais úteis como, por exemplo, redação e retórica? Elas deveriam formar a matriz de qualquer área de humanas, mas por alguma circunstância estranha existe aqui um tipo de esquecimento. A hipótese, portanto, não é que o critério estético seria um melhor substituto ao que existe. A hipótese aqui é muito mais radical: esse critério estetico sempre foi usado nas pesquisas, nas aulas, nos encontros, nos corredores; ele continua sendo aquele criterio que define uma boa escrita ou uma boa fala, embora seja reprimido dentro de uma estrutura de esquecimento. Existe um tipo de cinismo curioso passeando pelos corredores das humanas, um tipo de inconsistência entre a fala e a prática. A fala é positivista, comprometida com o rigor cientifico, e a verdade dos argumentos, mas a prática diz outra coisa, sugerindo um critério estético, dinâmico, retórico, e nada mais. Uma boa pesquisa, portanto, é sempre aquela mais articulada, mais enfática, aquela que ganha vida através de uma linguagem rica, intensa e persuasiva. Nossos pais fundadores, ao contrário do que dizem por aí, não é Newton ou Galileu, mas Dostoiévski e Jane Austen.
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