‘Santiago’ (Brasil, 2007) nasceu para ser um documentário de plasticidade e estética sublimes. Em 1992, o diretor João Moreira Salles precisou de cinco dias para gravar nove horas de material e, com ele, montar um filme. De família tradicional e rica, ele buscou resgatar memórias da casa onde viveu no Rio de Janeiro, a partir de depoimentos de Santiago Badariotti Merlo, mordomo argentino que trabalhou para os Salles por 30 anos.
Contar histórias sobre um lugar de tantas recordações, tendo o mordomo como personagem principal, parecia uma receita infalível. Mas, ao chegar à ilha de edição, Salles apenas conseguiu montar uma sequência de 52 segundos. Em entrevista à Revista Bravo, em agosto de 2008, o diretor revelou que as gravações não tinham fluência narrativa, e as cenas não apresentavam conexão.
Na entrevista, Salles comentou ainda que “enxergava qualquer documentário como sinônimo de controle” e pretendia “conceder um filme de uma beleza absoluta, de rigor absoluto”. Segundo ele, todo diretor tenta eliminar os imprevistos para alcançar a perfeição.
Assim, Salles “esqueceu” as imagens por 13 anos. Ao retomá-las, em 2005, percebeu a distância entre ele e o mordomo. Santiago se deixou conduzir pelas orientações do diretor e, em nenhum instante, teve o rosto filmado em close. A partir dessa percepção, Salles decidiu editar o filme focalizando o modo como as imagens foram gravadas.
No documentário lançado, o diretor reflete sobre verdade e mentira, isto é, o que é realidade e encenação neste tipo de produção. Embora leve o nome do filme, o mordomo virou um objeto de uma experiência cinematográfica. No off final, Salles afirma que somente no processo de edição entendeu o que parecia evidente: “durante os cinco dias de filmagem, eu nunca deixei de ser o filho do dono da casa, e ele nunca deixou de ser o nosso mordomo”.
De certo modo, o filme de 2007 foi a forma encontrada pelo diretor de prestar uma homenagem a Santiago. “Olhar para si é mais complicado — não como desafio estético, mas como desafio existencial. (...) Produzi o filme com uma sensação de ponto final. Santiago me possibilitou fechar uma porta, concluir um ciclo. O que penso sobre documentário está lá. Se abrirei novos ciclos, ainda não sei”, destacou na entrevista à Bravo.
Após ‘Santiago’, Salles - naquela altura já conhecido por ter dirigido documentários como ‘Notícias de uma guerra particular’ (1999), ‘Nelson Freire’ (2003) e ‘Entreatos’ (2004) - demorou 11 anos para lançar outro filme.
Assista ao trailer de ‘Santiago’ neste link.
Fonte da imagem: bastidoresdainformacao.com.br/documentario-santiago-de-joao-moreira-salles-estreia-nesta-terca-feira-no-arte-1%E2%80%8F/ REFERÊNCIAS:
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Editora Papirus, 2005.
MIGLIORIN, Cezar Santiago, de João Moreira Salles (Brasil, 2007). Revista Cinética. Disponível em: <www.revistacinetica.com.br/santiagocezar.htm>.
SALLES, João Moreira. Fiz o filme para me curar. [1 de agosto, 2008]. Revista Bravo. Entrevista concedida a Armando Antenore. Disponível em: <www.armandoantenore.com.br/entrevistas/joao-moreira-salles-fiz-o-filme-para-me-curar>.