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Três olhares sobre Deus, fé, ciência e razão


A Criação de Adão”, na Capela Sistina.

Caros leitores, a coluna desta semana será diferente. Um novo formato. Trataremos do tema sobre Deus, fé, razão e ciência, com questões respondidas por mim e por mais dois colunistas do Soteroprosa: Thiago Pinho e Carina Cerqueira. A pluralidade das respostas deixará o legente tirar suas próprias reflexões acerca dos temas. Boa leitura !!!



Pergunta I - O que você entende por Deus?


Alan Rangel: Deus não é para ser entendido, porque foge a compreensão humana. Mas, sou partidário da questão: por que há Algo em vez de Nada? Eis o mistério.


Carina Cerqueira: Deus, Olorum, Ala, Javé, Grande Arquiteto do Universo, Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas, Onipresente, Onisciente e Onipotente. É a Essência Geradora de TUDO que existe no Universo.


Thiago Pinho: A própria pergunta já é um problema, antes mesmo de alguma resposta ser dada, já que a palavra “Deus” acaba apresentando uma certa armadilha. Como qualquer substantivo, ela indica algo circunscrito no tempo e no espaço, como uma “mesa”, uma “pessoa, um “carro”, etc. Mas Deus, na minha opinião, não é uma coisa, é um movimento, um processo que envolve várias modalidades de tempo e espaço, muito além de qualquer representação. Pensar em “Deus” enquanto substantivo é só um modo humano, limitado, uma tentativa simplificada de nomear o complexo.


Pergunta II - Na sociedade contemporânea existe uma radicalização, um extremismo, de uma crise do sujeito por ter perdido o amparo da religião?


Alan Rangel: Sim, o sujeito contemporâneo está desamparado. Não só por ter perdido a fé nas religiões, mas por duvidar do progresso científico ou das metanarrativas útopicas políticas. Esse indivíduo tem toda a liberdade para escolher; as múltiplas referências que estão por ai, pois há muitas delas. O problema é que nenhuma é tão convincente, e tão enraizado na cultura, como outrora. Hoje em dia, a montanha não vai mais até Maomé; é Maomé que deve ir à montanha. Por outro lado, deve-se levar em consideração dois fenômenos a serem estudados: a ascensão da religião islã e daqueles que se dizem sem religião.


Carina Cerqueira: A religião tem um papel social, espiritual, moral e ético importantes para o processo de crescimento e amadurecimento da espécie humana. Entretanto, sem a razão para direcioná-la, corre o risco de causar crises mais graves ao sujeito do que a sua ausência. Não há como reduzir o direcionamento evolutivo do homem à religião apenas, assim como não há como reduzir a crise do sujeito contemporâneo a ausência da religião. Ela exerce um papel importante tanto na estruturação do sujeito quanto em sua desestruturação. A diferença se faz a partir das revelações científicas e o uso da razão como instrumento de alcance e encontro com o Sagrado, desvelando o homem e os véus que impedem a sua transcendência.


Thiago Pinho: Sem dúvida, mas novas alternativas sempre surgem, já que novas máquinas de sentido são criadas. Eu posso não mais acreditar nos debates religiosos, mas posso concentrar agora minhas fichas em debates políticos, fortalecendo a crença de uma política como um espaço de redenção e possibilidade. Claro que as novas alternativas existentes podem não ter a mesma consistência que as anteriores, como a religião, por exemplo, mas não deixam de ser alternativas e formas de atribuir sentido ao que existe.


Pergunta III - Há diferença entre razão e fé?


Alan Rangel: Sim, e não. Sim, porque fé e razão partem de pontos de vistas diferentes para assumir a existência de algo. Não, porque ambos também se pautam em algum tipo de crença, seja só na matéria, seja para além dela.


Carina Cerqueira: A razão é o filtro da psique que permite a expansão da consciência em direção ao que “É”. A fé é um dos meios de expansão da consciência em direção a Essência Geradora de tudo que “É”.


Thiago Pinho: Não existe uma divisão entre os dois, a não ser em termos pragmáticos, como uma fronteira conveniente a alguém. Para além disso, não existe diferença, já que ambas lidam com o corpo enquanto um suporte, embora esse mesmo corpo oscile nos dois casos. O mundo afeta os indivíduos de infinitas maneiras, sendo que cada corpo reage de formas diferentes, buscando estruturar a experiência de um modo único. A religião e a ciência, nesse sentido, são apenas dois efeitos, dois sintomas, duas formas de nomear o que existe ao redor. Para além dos conflitos existentes, alguma coisa une o cientista e o religioso, alguma base comum para além da própria linguagem, um substrato de experiências, uma mesma ontologia.


Pergunta IV- É possível a ciência provar a existência de Deus pelo método atual? Ela deve se empenhar nisso?


Alan Rangel: Não é possível. O método científico predominante, o mais aceito, se baseia na experimentação, observação da realidade, na capacidade de refutação - universalmente aceita - de modo objetivo. Logo, limitar Deus a um método científico limitado, é antropomorfizá-Lo. Mas, acredito que uma nova mudança de paradigma, encarando o mundo para além dos sentidos, pode enriquecer muitas questões. Há mais mistérios entre o céu e a terra do que nossas vãs filosofias, disse Shakespeare.


Carina Cerqueira: A existência de Deus é provada todos os dias, seja pelas Leis Universais das ciências da natureza, seja pelas realizações e criações humanas nos diversos campos do saber. A ciência existe porque o homem existe e existimos porque o Universo foi criado. Os eventos que precedem o surgimento da vida manifestam-se em todos os seus aspectos a presença de um Princípio Inteligente ordenador e criador de tudo. Nada surge do nada e o nada não existe. A ciência nos foi concedida como adiantamento em muitas coisas, mas ela não pode ultrapassar os limites fixados por Deus. Enquanto almas encarnadas em um envoltório corpóreo, constituído, portanto, de matéria, estamos sujeitos as suas leis. Temos “provas” da existência de Deus a partir de tudo que Ele criou, mas não temos como “alcançá-lo”, pois a ponderabilidade da matéria não pode penetrar o impenetrável. Deus é Deus.


Thiago Pinho: Cada sintoma reflete um arranjo diferente de mundo, outras configurações de experiência. Converter a linguagem religiosa na linguagem científica, como muitos tentam fazer, não faz sentido algum, assim como é absurdo propor a conversão de um repertório de esquerda em um de direita. Cada corpo nomeia o mundo ao redor de uma forma bem específica, refletindo uma trajetória sempre única. A tentativa de ler um corpo pelos critérios de outro é sempre uma estratégia inútil, condenada a andar em círculos, da mesma maneira que um histérico não pode julgar um obsessivo. Eles são apenas arranjos únicos de sentido, refletindo corpos também únicos. Nesse caso, a pergunta muda um pouco rumo: Qual o corpo desse cientista? Por que a necessidade de proposições, conceitos e métodos? Do outro lado, temos a mesma pergunta: Qual o corpo do religioso? Por que tantas transcendências e tanta ética? No final das contas, a genealogia é o melhor método para extrair toda essa corporiedade.


Pergunta V - Você concorda com Dostoiévski: Se Deus não existisse tudo seria permitido!?


Alan Rangel: O Deus das principais religiões nos legaram códigos morais, e de alguma forma, moldes jurídicos que embasaram a coesão social, desde sempre. Ao meu ver, Deus é necessário, existindo ou não! Não acredito em um mundo sem alguma noção de Sagrado. E quando falo de Sagrado, extrapolo, e muito, qualquer reducionismo sobre Deus.


Carina Cerqueira: Tudo só é permitido porque Deus existe. É Ele, portanto, que permite tudo. Entretanto, a ponderabilidade da matéria só permite alcançar o penetrável.


Thiago Pinho: Essa passagem dita por Smerdiakóv, nos irmãos Karamazov, acaba caindo naquilo que Kant chamou de antinomia. Ou seja, se essa frase, dita dessa forma, faz sentido e é coerente, o seu oposto também é cheio de sentido e coerência. Se Deus não existir, tudo é permitido, já que o mundo cairia em um espaço desencantado, onde tudo é equivalente a qualquer coisa. Por outro lado, se Deus existe, tudo também pode ser permitido, já que Ele pode servir de justificação para diversas barbaridades. Em outras palavras, a pergunta já induz uma aporia, um terreno de circularidade em que um argumento e seu oposto convivem simultaneamente, sem qualquer problema ou incômodo

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Pergunta VI - Atualmente se fala muito em espiritualidade. Você vê alguma diferença entre ser espiritualista e ser religioso?


Alan Rangel: Todo religioso é espiritualista: acredita em alguma noção de metafísica. Mas nem todo espiritualista é religioso, pois é possível ser cristão e não ser religioso, por exemplo. Religião, como conhecemos, está mais atado a obrigações, rituais específicos exercidos em templos ou instituições. Muitos falam de espiritualismo ateu ou humanista. Não corroboro com essas nomenclaturas. Na verdade, vejo que a noção de espiritualista está mais de acordo com a crença de algo para além do físico, no campo do Ser, não necessariamente descolado do empírico.


Carina Cerqueira: A religião é um dos meios de alcançar a Deus, assim como a ciência é outro meio. Muitas religiões, entretanto, isentas da razão, contaminam a percepção de Deus e se manifestam de forma análoga a uma máquina de hemodiálise que parou de funcionar. Quando a Essência de Deus é reduzida a essência humana por um processo de comprometimento da razão, todo o sistema é prejudicado. A religião, como um dos meios de alcançar a Deus, antes de mais nada, precisa alcançar o aperfeiçoamento ético e moral do homem, pois só assim vislumbraremos a Essência Divina. Sem melhorar a si mesmo e todas as nuances que nos afastam uns dos outros, a religião não cumpre o seu papel. Ao invés de “filtrar” para reestabelecer o equilíbrio e saúde da alma, muitas vezes promove o efeito inverso: causa adoecimento e necrose da alma. Ser Espiritualista é crer na existência além da matéria. A maioria das religiões, senão todas, são espiritualistas, pois creem na existência de algo para além da matéria, mas nem todo Espiritualista é religioso, pois não são as religiões os únicos caminhos de alcance imponderável das existências.


Thiago Pinho: Como já tinha dito, essas diferenças de nomenclatura nunca falam do mundo propriamente, sendo muito mais estratégias para marcar território, ou mesmo sintomas, reflexos de um certo corpo. A diferença, nesse caso, é muita mais conveniente, assim como todo tipo de dualismo. A crença na existência de um espaço insignificante, mundano, precário, de um lado, e um espaço significativo e puro, do outro, reflete apenas uma certa necessidade prática, não racional, claro. Ou seja, essa diferença entre o religioso e o espiritualista convém a certo tipo de arranjo, a certo tipo de corpo.

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Nobilíssimos, espero que tenham apreciado. Sem dúvida, pretendemos trazer novas publicações neste formato.


Até a próxima!



Link da imagem: ttp://paularafaelacoelhoribeirople.blogspot.com.br/2015/06/reflexao-final.html





























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