A coisa mais difícil do mundo é viver com outros! Sim, porque são diferentes! Simples assim. Mas, é essa diferença que nos tira de nosso altar, de nosso eucentrismo, de nosso mundinho particular, e nos faz ver que há diversos olhares por aí. Viver em sociedade é compartilhar com outros. Viver em sociedade é abrir mão de nosso bel prazer em favor da boa convivência. Viver em sociedade é ter empatia, a fim de evitar conflitos. Idealmente falando: o mundo seria completamente diferente se cada um fosse responsável pelo bem do outro. Na realidade, a coisa é mais complexa. Boa leitura a todos.
Quantas vezes nos pegamos em nosso dia a dia lidando com gente que nos apequenam, ou pessoas que não sentimos a menor empatia, o menor desejo de estar juntos? Onde está o problema: em mim, ou no outro? Como chegar a uma solução? Certamente, muitos nos incomodam. Como suportá-los? Como ama-los indiscriminadamente? E o que significa amar? Com certeza não é algo empírico e mensurável, porque não é objetivo. Nós não vemos os sentimentos, só percebemos as suas manifestações. O amor parece ser tudo que nos eleva, que aumente nossa potência. Mas aí podemos até dizer que amamos comprar porque ficamos alegres. Talvez essa definição de amor não seja muito adequada.
O fato é que devemos nos doar para conviver em sociedade. Esse sentimento de doação está calcado na lei. Somos obrigados por ela a tolerar a existência do outro, independente do que achamos dele (a). Gostemos ou não, somos coagidos - por uma instância maior - a agirmos de forma totalmente deliberada, visando a não prejudicar a vida alheia. Não cabe espaço para ímpetos irracionais.
A razão da existência do Estado é controlar o ser humano quanto aos seus impulsos indesejáveis, obrigando-o, sob pena de ser punido severamente, a ter completa consciência quanto ao uso da sua razão. Que mecanismo! Uma instância superior, temporal, nos controla, ou tenta nos controlar, porque todos somos enigmáticos, imprevisíveis, fadados a quaisquer tipos de comportamentos. Capazes de amar muito, mas capazes de odiar igualmente.
Por isso nos impõem a previsibilidade das nossas ações, a total clareza dos atos. Somos ainda muito enigmáticos para andarmos livres, leves e soltos sem coação.
As regras nunca foram suficientes para orientar as ações conforme uma ideal de uniformidade comportamental. Nos pormenores da vida ordinária, oscilamos. E muito! Ninguém está imune de explodir em sentimentos. Somos uma bomba relógio! Uma dinamite! Se reprimimos demais nossos desejos estamos fadados a adoecer – física e mentalmente - de alguma forma, pois o corpo responde. Vivemos numa eterna corda bamba tentando nos manter saudáveis. A sociedade nos adoece! A linha entre a sanidade e a loucura é tênue. Todos esperam que atuemos, perfeitamente conscientes, em todas as situações. Somos cobrados a um comportamento desejável socialmente. A civilização impõe a cada um a doação, não primordialmente pelo sentimento espontâneo do amor ou da compaixão, mas por uma deliberada ação moral pragmática. Se nossos impulsos fossem totalmente voltados a conservação, agregação, empatia, solidariedade, não precisaríamos nos preocupar com imposições de ordem externa, com poderes instituídos, que visam nos tornar dóceis.
Chegamos a um paradoxo: se estamos inteiramente livres para vivermos conforme nossos desejos podemos machucar ou prejudicar a vida do outro; com ausência de regras coletivas, nosso mundo seria muito mais caótico. Por outro lado, esse excesso de comportamentos esperados, que não se originam em nós, pois existe em uma consciência social superior - quando nascemos as normas já estão aí - nos afetam e nos arrancam de nosso eucentrismo. Diversos impulsos são reprimidos: criatividade, comportamento sexual, agressividade, discordância sobre regras vigentes. Todos esses ímpetos sufocados podem nos levar à doença, a tristeza, a violência, a angústia, ao suicídio, ao isolamento.
Como viver - para além das necessidades imediatas - e conviver ao mesmo tempo? Idealmente, deveríamos equilibrar as duas dimensões. Não é tarefa fácil. Há uma complexidade em cada um de nós que é difícil explicar. Quando paramos para questionar o porquê disso tudo, ou seja, o porquê da nossa existência em um planeta pequeno, imersos em uma galáxia e num universo gigantesco, é impossível não pensar sobre a existência de algo maior. Ou seria obra do acaso? Talvez o acaso não baste.
Não precisamos de uma religião que fale da existência de algo superior, e que devemos fazer assim e assado, seguindo comportamentos e dogmas cegamente, de forma a não questionar padrões criados a uma conduta religiosa. Se começarmos a refletir sobre muitas coisas, por nossa própria conta, em nosso âmago, e olhando além da banalidade do dia a dia, não faz muito sentido que não haja algum sentido. Que os existencialistas nos perdoem por tal infâmia! Começamos a questionar porque existe algo em vez de nada! Quem sabe não seja possível chegar a um mesmo lugar por caminhos diferentes?
Mas, é fato, que aquilo que chamamos de sociedade nunca facilitou ao indivíduo fazer um mergulho interior sobre a sua própria condição - com raras exceções - a andar com as próprias pernas. Se no passado agíamos sempre conforme os preceitos e valores tradicionais – sempre foi assim e logo esse é o comportamento correto – hoje, século XXI, nossa falta de introspecção é pautada por um ritmo acelerado, que impede a reflexão. Estamos atados aos caprichos de um padrão de sociedade consumista, hiperprodutivista, hiperindividualista, desequilibrada, narcísica, que preza primordialmente pelo entretenimento e ocupação. E estamos todos, sim, em gaiolas, presos; nem paramos, ao menos, para questionar quem nós somos. Uma vida irrefletida, diria Platão.
Os iluministas achavam que tínhamos chegado a maioridade. Ledo engano! Continuamos a ser conduzidos como rebanhos. Não estamos preparados para andarmos a sós, e muito menos encontrar algum ponto em comum além do que nos é imposto. Até a próxima!