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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

Olha o fogo, olha o fogaréu: As pontas queimadas da nossa pesquisa científica


Quando fui aluno da graduação, me envolvi em um grande projeto de pesquisa que estudou as bacias hidrográficas, os rios que cortam a cidade de Salvador, e a relação das comunidades com esses mananciais, perfazendo uma integração de grande envergadura com os mais diversos estudiosos, desde físicos, arquitetos e biólogos até historiadores, economistas e cientistas sociais. O resultado está registrado em um grande livro, lançado em 2010.


Em outra pesquisa, atuei como membro de uma grande equipe multidisciplinar que consistia em apresentar resultados sobre a vulnerabilidade socioambiental de populações tradicionais (pescadores, quilombolas, lavradores) que vivem nos municípios que compõem a Baía de Todos os Santos. Nesses estudos, percebia o quanto era importante levantar um diagnóstico sobre a vida urbana e rural, possibilitando assim a elaboração de medidas para o bem-estar dos indivíduos.


Não é difícil perceber que qualquer politica pública para ser bem-sucedida necessita de estudos para fundamentar ações governamentais. E nesse ponto, o trabalho dos pesquisadores é essencial para formulação de leis e projetos que beneficiem a população em seus diversos níveis sociais. Mas, ao que parece, não é isso que ocorre. Apesar de utilização de dados, verifico que muitos candidatos a cargos legislativos não detém um conhecimento – o mínimo que seja – em pesquisas estruturais que corroborem grande parte de seus projetos. Claro que esse seria um papel mais apropriado aos assessores, mas quantos destes auxiliares são pesquisadores de fato?


Clamo atenção para as pesquisas, em decorrência do lamentável incidente que destruiu boa parte do acervo do Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro. Até agora fala-se das perdas irreparáveis, da falta de cuidado, da irresponsabilidade dos gestores e instâncias governamentais, da ausência de uma brigada de incêndio, da escassez de dinheiro, do descaso com a cultura e o desrespeito à memória. Acrescento outra, que está sendo observada sim, mas com menos critério: o descompromisso com a pesquisa.


Em 2018, o repasse para pesquisa, inovação, e desenvolvimento industrial deve ser da ordem de 1,4 bilhão de reais. O Ministério da Ciência e Tecnologia foi extinto e suas funções anexadas ao Ministério das Comunicações. As verbas para o Museu Nacional vinha sofrendo cortes desde 2013. O baixo orçamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro, responsável pelo prédio, não permitiu maior direcionamento a um sistema anti-sinistro. Faltou maior celeridade dos gestores da universidade em formular um projeto que garantisse recursos mais imediatos para que fossem instalados dispositivos que evitassem a destruição do acervo pelas chamas, caso houvesse um princípio de incêndio. Enfim, um show de irresponsabilidades.


Mas o que fica mesmo, é a sensação que as atividades de pesquisa tem peso menor. A instituição não se restringia a ser um espaço de cultura. Longe disso. Antropologia, Botânica, Geologia, Paleontologia, coleções de animais vertebrados e invertebrados possuem departamentos no Museu. Os objetos de pesquisa, em sua maioria, não foram atingidos pelo vasto incêndio. Portanto, aos detratores que vêem museus como espaços de configuração do passado, que fique bem claro que essas instituições possuem o estatuto de serem redutos da CIÊNCIA! Por essa razão, deve-se olhar mais detidamente ao trabalho de pesquisa daquela instituição incendiada!


Não foi à toa, portanto, que iniciei o texto falando de pesquisa. Não há desenvolvimento em qualquer país que não invista na atividade científica. Isso porque é fato que toda e qualquer discussão ou debate necessita de aprofundamento do assunto e para uma causa ser levantada não basta ter opinião, é preciso co-nhe-ci-men-to!


Mas não posso apenas resmungar. Grande parte do material produzido nas universidades não é dinamizado. Nesse momento de reflexões, é preciso coragem para expor o encarceramento intelectual que nos deixa atrelados a um mundo intramuros. O que produzimos é para conexão imediata para objetivos políticos. Digo políticos no sentido de uma ordem vigente no qual todos estamos inseridos como sociedade e precisamos dispor de ideias, sugestões e caminhos para garantias de uma vida coletiva.


Diante de tanto subterfugio, não me surpreende que a ignorância tem sido a fiel da balança na busca de um rumo para o Brasil, colocando o Estado como inimigo e financiador de “inutilidades”. O incêndio do Museu Nacional vai mudar alguma coisa nesse roteiro nefasto? Acredito que não. O fogaréu vai continuar queimando as pontas da pesquisa cientifica até chegar a seu núcleo.


FONTE:

http://www.museunacional.ufrj.br/dir/pesquisa/index.html

https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/04/ao-cortar-investimentos-em-ciencia-brasil-assassina-o-futuro.html

Blog do Esmael (imagem)



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