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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

O FIM DA ALIENAÇÃO E O INÍCIO DO CINISMO POLÍTICO: Eles sabem muito bem o que fazem e ainda assim co




A verdade liberta, não é? Conhecer abre as portas para o bem agir, certo? Pelo menos é a história que nos contam, ao cultivar a certeza de que a ética anda lado a lado com o conhecimento e o compromisso com os fatos. Ao trazer à tona essa mesma verdade, a linguagem parece resgatar uma prática sólida, transparente, tudo isso com muita firmeza e ética. Sem a cegueira do falso, e sua atmosfera embriagada, o sujeito pode, enfim, agir da melhor forma, já que entende os contornos de si mesmo e do mundo ao seu redor.


Dentro de um olhar grego, socrático, o mal é um problema de ignorância, uma falta de conhecimento a respeito do modo como o mundo e as pessoas funcionam, ao contrário da visão cristã em que o mal é reflexo de uma falha na atitude de alguém, em sua postura, na forma como usou seu livre-arbítrio. Para um grego, portanto, o mal é um assunto epistemológico, envolvendo o conhecimento e os seus contornos. Quanto mais sábio um indivíduo, melhor ele age no mundo, já que a ética é um reflexo direto dessa mesma sabedoria.


Embora dentro de um universo cristão, continuamos ainda a respirar muito aquela atmosfera grega, principalmente no modo como a esquerda, de maneira geral, entende o nosso cenário político. Ao permanecer com a categoria de alienação, o cenário atual é captado seguindo o mesmo rumo clássico, o mesmo percurso trilhado por Sócrates. Pessoas votam em Bolsonaro, dizem os críticos, porque desconhecem a verdade sobre ele e sobre o mundo ao redor. Presos em Fake News, os eleitores não conseguem agir bem, não conseguem fazer a coisa certa. O alienado desconhece a verdade das coisas e por isso mergulha em práticas questionáveis e perigosas. Nessa linha de raciocínio, uma vez conhecendo a verdade, o sujeito consegue, enfim, agir do melhor modo, já que seus olhos estariam abertos, sem nenhuma sombra bloqueando o caminho.


A consciência de si, como bem sugeriu Marx, já traz em seu interior um tipo de atitude prática, o modo adequado de ação, saindo assim das falhas do comportamento burguês, ainda preso num solo alienado. A postura conservadora da burguesia, portanto, é reflexo direto da sua ignorância, do seu desconhecimento, do fato de não ter ideia de como o capitalismo realmente funciona e o que ele realmente é.


Talvez esse raciocínio socrático tenha feito sentido em algum momento, mas não hoje, não agora no Brasil e nesse seu cenário político incomum, sendo quase um exemplo concreto daquilo que Camus chamou de absurdo. O estranho não é perceber que os eleitores de Bolsonaro votam nele porque foram manipulados, mas ao contrário. O estranho, e o risco, é perceber que os eleitores de Bolsonaro votam nele por pura e espontânea vontade, mesmo conhecendo todos os excessos do candidato. A alienação não pode ser mais o critério aqui, mas sim o cinismo, uma outra forma de conduta política, muito além do que estamos acostumados a lidar. O sujeito cínico sabe muito bem o que faz, sabe muito bem o mundo que o rodeia, e ainda assim continua adotando as mesmas atitudes, não importa os riscos. Movido pelos afetos, movido por algo visceral, não se interessa pelas consequências do que diz e faz, querendo apenas uma descarga direta, um alvo conveniente para seu ressentimento transbordante, uma válvula para o seu ódio que escorre pelos cantos.


Seja com Fake News ou sem Fake News, a decisão já foi tomada, muito antes até das próprias eleições, muito antes do próprio sujeito saber o que anda acontecendo. Fatos aqui não importam, nem de longe, nem mesmo se forem absurdos. Eles não alteram a natureza dos meus afetos, não alteram aquele meu ódio cultivado há anos, esperando apenas um pretexto para sair por aí. Estamos agora muito além do critério de validade, muito além do verdadeiro ou do falso... estamos em um novo jogo político, com novas regras ou, o que é pior, estamos no fim do próprio jogo e o início de alguma coisa perigosa, estranha e de difícil entendimento.


Referências da imagem:


https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/23/pesquisa-ibope-rejeicao-bolsonaro-haddad-23-de-outubro.htm

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