A deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL) lançou um pedido aos estudantes de Santa Catarina – estado onde obteve a vitória no pleito eleitoral – que causou polêmica. Ela solicitou aos alunos que denunciassem professores que realizem protestos ou críticas contra o presidente eleito Jair Bolsonaro, do mesmo partido. As denuncias poderiam ser acompanhadas de gravações em vídeos e encaminhadas para sua equipe. A justiça, porém, impediu que a deputada prosseguisse no seu intento, sendo processada pelo Ministério Público do Estado, entendendo que a denuncia feria a “liberdade de expressão da atividade intelectual”.
A eleita é professora e historiadora, defensora do projeto Escola sem Partido, que acusa haver doutrinação partidária nas escolas do país e defende a neutralidade na didática das aulas. Muitas críticas são dirigidas ao projeto, especialmente por especialistas em educação, reclamando que a medida é autoritária e retira a pluralidade de ideias das pautas pedagógicas.
Está claramente identificada na demanda da parlamentar um sinal de intimidação dos docentes. A Constituição garante que o professor opine sobre qualquer assunto. Requerer ao aluno que ele notifique um mestre por considerar que ele está maldizendo terceiros, empodera o estudante a manipular o discurso de quem está dando aula. É uma total inversão de valores. Desestimula o debate e ainda gera uma dúvida: só pode falar bem do presidente eleito? Aí, tudo bem? Nesse caso, onde fica a propalada neutralidade que esse pessoal tanto reivindica? A deputada já posou com alunos vestida com uma camisa que retratava o então candidato a presidente. Cadê a isenção? Nem ocupou as cadeiras da Assembleia Legislativa e já macula a Carta Magna Federal?
Muita gente sabe que os professores formam uma classe desprestigiada, mal paga, que enfrenta péssimas estruturas de trabalho e lida com um conjunto de adolescentes com variados problemas. Ele reúne em si não apenas o dever de ensinar, mas de mediar conflitos em sala, atender dificuldades pessoais de aprendizado, reclamações sobre sua didática, ofensas, agressões, e agora tentam cercear suas ideias? Querem que o aluno determine o que o professor pode ou não pode falar? É ele agora o formador da disciplina? Porque fica evidente que a autoridade do professor ficará tolhida, pois ele – além de programar suas matérias – deve se policiar sobre suas pronuncias, pois o admirador de fulano ou beltrano vai se indignar e postar nas redes sociais o nome e a foto de um “doutrinador” suplicando que “mexeram no meu ‘mito’”. Absurdo!!!
Os defensores do Escola sem Partido consideram que a sala de aula é o único vetor para formação política dos jovens e o docente é o seu algoz. O estudante não tem família, não participa de coletivos artísticos, grupos religiosos, equipes esportivas, associações de bairro, movimentos populares, não assiste TV, não debate nas mídias sociais, nada disso!!!Política somente nas instituições de ensino!!! A metodologia das escolas precisa de mudanças, obviamente, mas a discussão está sendo direcionada para a censura, indiferença ao debate e julgamento prévio de um ou outro aluno que considere que suas concepções políticas estão sendo atingidas. Um descalabro!
Estamos acompanhando, antes, durante, e após as eleições, um sentimento “antipolítica” que não apenas rejeitou o sistema partidário e seus vícios, mas parece também rejeitar as formalizações da política como organização social que impele a todos o diálogo, o consenso, e a diplomacia. As ideias que permeiam os novos governantes e congressistas passam por convicções impositivas. Importa mais uma centralização das decisões e menos interlocução e acordos. O clamor da deputada demonstra que é preciso haver controle de livres informações e sobreposição de quem tem mais força. Resta saber como a sociedade vai reagir diante de tal infortúnio. A autoridade vai encobrir nossos anseios democráticos? Ou veremos ou reagiremos.
FONTE:
http://lounge.obviousmag.org/with_a_little_help_from_my_friends/2017/11/fahrenheit-451-e-o-risco-dos-livros-queimados.html (imagem)
https://veja.abril.com.br/politica/justica-impede-deputada-eleita-de-estimular-denuncias-contra-professores/
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/deputada-eleita-do-psl-pede-que-estudantes-denunciem-professores-contra-bolsonaro-em-sala-de-aula.shtml