Semana passada o projeto Programa Escola sem Partido foi arquivado pela devida comissão responsável na Câmara Federal. Apesar disto, acho importante destacar alguns pontos que considero pertinentes contra o discurso falacioso do projeto, que coloca a questão ideológica como bode expiatório para o caos da educação brasileira.
Um pequeno setor da sociedade política e civil acredita que o grande dilema da educação e da suposta incultura no Brasil está ancorada pela falta de neutralidade política, ideológica e religiosa, encabeçada por um pensamento de esquerda que doutrina os alunos em sala de aula e cria valores laicos, imorais, anti-religiosos, lascivos. Para eles, a fruta podre que impede a realização de uma sociedade mais coesa, calcada em valores tradicionais, é a ideologia progressista, vista como sinônimo da decadência moral e espiritual da modernidade ocidental.
Muito brevemente irei problematizar alguns pontos. O primeiro, é sobre o inciso II do artigo 1° do projeto Programa Escola sem Partido: neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado. Destaco uma questão importante: a própria ideia de neutralidade já esconde uma parcialidade subjacente, uma visão de mundo ingênua que acredita na própria neutralidade do sujeito. Na verdade, nenhum educador elimina completamente os seus gostos políticos ou culturais, e não há problema nisso desde que ele ou ela entenda a variedade de discursos que tentam explicar a realidade. Também não podemos considerar o aluno como um robô passivo desprovido de questionamentos.
O segundo ponto é que o calcanhar de Aquilles da educação tupiniquim é a ineficácia da gestão e alocação dos recursos públicos, que envolvem infraestrutura, melhoria salarial, valorização do professor e restruturação curricular; portanto falta maior racionalidade. Passa longe de ser um problema de ideologia de esquerda!
O Brasil está entre os países que mais gastam com educação pública, porém está nas últimas colocações em avaliações internacionais de qualidade do ensino. O Estado brasileiro gasta 6% do PIB em educação, índice superior à média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 5,5%, inclusive gasta mais do que países desenvolvidos. Os dados são do relatório de Aspectos Fiscais da Educação no Brasil, divulgados pela Secretaria de Tesouro Nacional no segundo semestre deste ano.
Um último ponto: tornar a sala de aula um Big Brother, vigiado por alunos, professores e demais funcionários, retirando a liberdade do professor, é violar o artigo 5° da Constituição Brasileira, sobre a liberdade de manifestação de pensamento, bem especificada no inciso IV, um dos direitos fundamentais do Estado Liberal Democrático de Direito. Portanto, insistir por esse caminho é inconstitucional.
Assim, caros leitores, é delirante e perigoso acreditar que o caminho do aperfeiçoamento social passa pela repressão e pela violação dos valores democráticos. Devemos evitar o obscurantismo!