Voltando aos meus ensaios, depois de mais de três semanas em off, escreverei sobre Roma, do cineasta mexicano Alfonso Cuarón. O filme teve chancela da Netflix, e possivelmente concorrerá ao Oscar em algumas categorias. Estou bastante consciente de que está entre os três melhores filmes que assisti em 2018, sem nenhum exagero. Roma já teve premiações: venceu o Leão de Ouro e ganhou nas categorias de melhor diretor e melhor filme de língua estrangeira (México) no Globo de Ouro. Vamos lá.
A película se passa no bairro de Roma, classe média da Cidade do México, e tem um caráter autobiográfico, pois retrata um pouco da infância do diretor Cuarón, nos anos 70. A personagem principal, Cléo, uma humilde empregada que cuida dos filhos de uma família de gringos, moradores do país, foi interpretada por uma atriz neófita, sem experiência anterior, a mexicana Yiatzia Aparício. Sua atuação é impecável!
A obra é simples, mas rico em complexidades; aborda diversos temas históricos e até atemporais. As questões técnicas como fotografia e edição também são sensacionais, inclusive retratada em preto e branco. O conteúdo inclui temas como desigualdade social, o cenário político da ditadura mexicana, os afrouxamentos dos laços familiares, as dificuldades da figura feminina em lidar com o machismo. É perfeitamente possível analisar substancialmente o filme sobre diversas óticas, seja na filosofia, na psicanálise, sociologia, história e política.
A figura de Cléo, a babá e empregada, personagem central do drama, é especial, pois mostra uma mistura entre alguém com pouca riqueza cultural, envolta pela dificuldade de expressar-se até por palavras, que ao mesmo tempo é capaz de externar uma enorme compaixão. A visão racionalista e conflitante entre pessoas em diferentes escalas sociais, no caso entre empregada e patroa, é bem questionável pois a relação entre ambas ultrapassa a questão meramente salarial; há um entrelaçamento, sem pesos e medidas, entre uma ação racional (no sentido econômico/utilitário de custo e benefício) e uma ação emotiva, pré-reflexiva. Além de assalariada, Cléo é quase que parte da família, envolvida nas mais diversas experiências.
Não espere encontrar cenas de ação, efeitos especiais mirabolantes, suspenses de tirar o fôlego, heróis perseguindo bandidos. Não! A belíssima obra cinematográfica é bastante realista, por isso é simples, ao mesmo tempo complexa, como é a própria existência. É uma história de duas horas e vinte minutos que se passa lentamente, desenha contextos comuns, cotidianos, e é rico em detalhes.
Certamente não é um tipo de arte para entretenimento barato; não foi criada para aliviar o tédio do dia a dia, e possivelmente não agradará o grande público. Ela espelha muito mais a vida do diretor Cuarón, suas reflexões, alegrias, tristezas, angústias, expressões de sua individualidade pulsante. E, sem dúvida alguma, podemos enxergar muitas experiências relatadas também em nossas vidas.
Até a próxima!
Link da imagem: https://www.musicontherun.net/2018/12/trilha-sonora-roma-netflix.html