“O passado é imutável. Por mais doloroso que seja, não podemos mudar as coisas. Nem podemos fazer outras escolhas depois de saber o resultado. Todos nós temos que aprender a aceitar.”
Bandersnatch, episódio mais recente de Black Mirror, está dando o que falar. Para quem não conhece, Black Mirror, é uma série original Netflix, a qual traz episódios independentes que fazem uma crítica à interferência da tecnologia nas relações interpessoais e do indivíduo com o mundo, bem como seus possíveis desdobramentos num futuro, quem sabe, próximo.
A produção tem uma proposta interativa, ou seja, o expectador tem o poder de escolher qual será o próximo passo do personagem. O título é baseado em um personagem de Lewis Carroll, do universo de Alice No País das Maravilhas, uma criatura que vive no mundo do outro lado do espelho.
Sua trama é ambientada nos anos 80, incluindo a trilha sonora, o que particularmente me agradou. Nela somos apresentados a Stefan Butler (Fionn Whitehead), um jovem amante de jogos eletrônicos e aspirante a desenvolvedor. Ele está trabalhando em um projeto denominado Bandersnatch, baseado em um livro homônimo, cujo ponto central é a existência de diversas realidades distintas e simultâneas, no qual o leitor decide os rumos dos personagens de acordo com suas escolhas.
Há pelo menos cinco desfechos, além de outros finais mais precoces. Motivo pelo qual somos instigados a continuar assistindo, tentando outras opções. No entanto, o que Bandersnatch me provocou é a reflexão sobre as escolhas.
Sim, as pequenas escolhas que fazemos todos os dias, desde que acordamos. Passando pelo o que comer no café da manhã, tomar banho quente ou frio, que roupa usar, que caminho tomar pro trabalho, que música escutar no trajeto, até atingir às decisões de extrema importância que nos colocam em aparentes encruzilhadas, nas quais temos a impressão de que haverá um grande impacto na nossa vida.
Na verdade, provavelmente tudo que escolhemos tem um efeito em quem somos e em que pessoa vamos nos tornar, até a não-escolha, como já dizia Sartre: “Eu posso sempre escolher, mas devo estar ciente de que, se não escolher, assim mesmo estarei escolhendo.”
Nós temos a triste mania de pensar que poderíamos ter feito escolhas melhores, nos remoendo, e acreditando que tudo se resolveria se simplesmente tivéssemos escolhido B ao invés de A. A isto nós, terapeutas cognitivo comportamentais, chamamos de Orientação para o remorso, um dos tipos de distorção cognitiva (erro de pensamento) que podemos cometer. Quando caímos nela, nos agarramos ao passado, ao que poderia ter sido. Ela é uma velha conhecida dos deprimidos.
E esse também é o dilema de Stefan.
Mas será que seria melhor mesmo? Nunca saberemos e talvez seja melhor assim.
Imaginem poder voltar a todo momento e refazer o que achamos que não foi o ideal? Seria o caos, penso eu. E acredito que nunca estaríamos satisfeitos com o desfecho das diferentes rotas.
O que vejo de interessante em Bandersnatch é exatamente essa possibilidade de voltar e escolher uma outra opção, sabendo o que aconteceu à Stefan. Testar essa fantasia que cultivamos. E, sinceramente, a sensação é de “dar murro em ponta de faca”. Assim como creio que seria na vida real.
As escolhas são irmãs das consequências, como você bem sabe, leitor e nem sempre elas são agradáveis. Mas estas podem nos mostrar onde erramos, como podemos melhorar, aprimorar nosso modo de pensar e agir.
Se prestarmos atenção e formos alunos humildes, poderemos nos sair melhor depois. Porém, nem todos reconhecem essa oportunidade.
Tenha em mente, leitor, que não poderemos mudar o passado, como em Bandersnatch, mas temos a chance todo santo dia de alterar nossas atitudes no presente e, consequentemente, o que vem pela frente. Além disso, é preciso trabalhar a aceitação de questões que provavelmente não poderão ser modificadas. Aceitar o que não posso mudar e me comprometer a mudar o que é possível - essa é a chave.
Se me permitem uma dica em relação ao episódio, recomendo que façam a experiência de ver sozinhos, pra refletirem sobre a relação que estão estabelecendo com suas próprias escolhas.
Ao terminar de assistir, você também é convidado, indiretamente, a fazer mais uma escolha: interpretar o final à seu modo. Será que Stefan atinge um nível da psicose e dissocia ou realmente não somos responsáveis por nossas decisões? A escolha é sua...