O Brasil é um país que não produz tanta animação para as telas de cinema, em relação a outras produções artísticas. Mas quando elabora, felizmente o resultado agrada. É o caso do fantástico “Uma História de Amor e Fúria”, lançado em 2013 e escrito pelo roteirista Luiz Bolognesi. Foi premiado em um festival na França e indicado ao Oscar 2014 na categoria animação.
O desenho é um apanhado histórico, seguindo perspectivas do protagonista que obtém diversos nomes de acordo com o período abordado. Se inicia no século XVI, nas primeiras décadas da Colônia até o final ambientado em um hipotético futuro, no ano de 2096, perfazendo 600 anos de vida do personagem central, que se torna imortal, por vezes se transformando em um pássaro. Sua saga contém conflitos históricos e a busca e reconquistas do seu grande amor, Janaína, que move o sentimento do personagem e seus embates. A narração dos envolvidos conta com a participação dos prestigiados atores Selton Melo e Camila Pitanga (observem que os traços de Janaína lembram o da atriz).
O média-metragem – dura pouco mais de uma hora – retrata fatos da memória nacional e seu conteúdo é claro em revelar a luta de classes que permeou a biografia do país. Ao longo da narrativa, aparecem a conquista do nosso território e a cobiça dos estrangeiros; a corrupção dos agentes públicos; a formação de revoltas populares; o embate entre grupos armados e os detentores do poder; e a posse de recursos naturais pelo poder econômico. Define assim, os rumos tomados por aqueles que foram empurrados para a margem da sociedade. Devido aos confrontos descritos, muitas cenas são emolduradas por sangues derramados, lembrando em alguns momentos, passagens típicas dos filmes de Tarantino. Tudo acompanhado por uma brilhante trilha sonora.
“Uma História de Amor e Fúria” foi projetado há poucos anos, quando germinava no país as famosas manifestações populares que desembocaram anos depois no impeachment de Dilma Rousseff quando “o gigante acordou”, época onde se via certa unidade nacional nos protestos, mas que descambou para uma enfurecida oposição ideológica logo depois. Como uma animação como essa seria revista e relançada de acordo com um outro olhar mais divergente?
É possível testemunhar que há uma simpatia pela ideologia dominante passados poucos anos após o lançamento da animação. O desenho claramente aborda as situações sob o ponto de vista dos vencidos. “Meus companheiros jamais viraram estátuas. Foram dizimados pelos que viraram”, afirma o protagonista. Mas vivemos uma alegria liberal, a esperança no futuro, o desejo de redução de um Estado inchado, a retomada do desenvolvimentismo, o “espetáculo” das privatizações, e uma revisão da história sob o olhar dos apoiadores do novo governo. A animação dos dias de hoje seria “neutra”, sem “viés ideológico” e com sofrimentos de ambos os lados. Com reações positivas aos construtores da Nação e justificativas proativas do discurso conservador. A história de amor e fúria dos dias atuais teria pouco amor, menos fúria, e ódio. Muito ódio.
Link do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=KtxXbBDotrM&t=2002s