
O Ministério Público da Bahia recomendou o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal fiscalização de músicas que contenham letras discriminatórias, garantindo assim o cumprimento da Lei 12.573,conhecida como “antibaixaria “, que indica proibição de recursos públicos na contratação de artistas que interpretam músicas que desvalorizem e incentivem a violência contra a mulher, discriminação racial, apologia ao uso de drogas, e homofobia. Tudo exposto em cláusulas contratuais.
Como cabe ao poder público a realização de campanhas combatendo qualquer tipo de discriminação, a preocupação com o conteúdo das letras é pertinente. É incoerente o patrocínio de artistas que venham arrastar multidões entonando letras com mensagens suspeitas. Como o trio elétrico exibe campanhas contra qualquer forma de preconceito,pregando a paz e cobrando denúncias de trabalho infantil, pode causar confusão para o público uma propaganda contra o assédio, enquanto o cantor berra no microfone “passa nela,passa nela, passa na cara dela “.
O Observatório do Carnaval registrou 32 infrações cometidas por artistas no carnaval de 2018 por descumprimento na veiculação de campanhas e na execução de músicas que se encaixariam na lei. Se existe um decreto proibindo e o artista assina,aceitando tais normas, nesse caso não há censura.
Todavia cabe uma pergunta: qual o critério que a autoridade competente utiliza para detectar quando uma determinada música descumpre os artigos? Primeiro,que nem regulamentada a lei foi. Segundo, não está definido ainda que órgão cabe fiscalização e aplicação das multas. Tudo é baseado nas cláusulas contratuais e na boa vontade do artista.
No entanto, pode haver rigor em demasia quando se quer vetar a veiculação de músicas carnavalescas. Com isso, saio do campo regional para o nacional. Em 2017,vários blocos do Rio de Janeiro deixaram de entoar os clássicos “Maria Sapatão “, “ Cabeleira do Zezé “, “O Teu Cabelo não Nega “e “Índio Quer Apito “(????). Apesar da exclusão nesse caso não estar baseada em lei, mas na livre manifestação das fanfarras, cabe reflexão sobre os limites da interpretação. Alguns blocos consideram que essas letras indicam homofobia e racismo.
Quem garante que “Maria Sapatão “ e Zezé “ trata-se necessariamente de dois homossexuais atacados pelo preconceito social? Não podem ser brincadeiras referente a travestidos que lotam as ruas durante a folia de Momo? É tradição no universo carnavalesco se vestir de mulher – por parte do folião masculino. Não seriam essas canções a manifestação do mais puro regozijo que impera durante a festa? E é isso que deve ser analisado: a interpretação “pura “ da letra, como se a própria arte musical não fosse repleta de subjetividades e múltiplas interpretações. “O Teu Cabelo não Nega “ é uma clara alusão racista,sendo assim mais discutível. Mesmo assim, não deixa de ser uma crônica das relações no âmbito da folia, um sentido de permissividade que permeia o espírito do festejo.
Retornando à Bahia, algumas composições como “Nega do Cabelo Duro “ podem ser enquadradas na lei “antibaixaria “, acredito. Porém, totalmente desconectada dos contextos de época inseridos na letra. “Pega ela aí “ era uma comunicação corriqueira de sujeitos que conversavam de maneira jocosa diante da aproximação de alguma transeunte (descrições memoriais me passadas por terceiros. Perdoem a carência de fontes). Ou seja, a música contém apreensões sobre uma experiência vivida em um passado, em outro recorte temporal.
Muitas outras músicas que venham a ser tocadas refletem um linguajar peculiar, numa realidade circunscrita a alguma região periférica. Se um homem conversa com outro que vai em casa, pegar a esposa e “dar a minha porrada “*, não significa que ele vai cometer uma violência doméstica,mas sim que a “porrada “ em questão é entre virilhas.......
É preciso haver certo cuidado ao condenar uma música à extinção, baseando -se em filosofias próprias. Melhor deixar a “turma do funil” passar, mas não aquela que proíbe a todo custo, afunilando as músicas no carnaval, e sim aquela que “todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto/ai,ai, ninguém dorme no ponto/nós é que bebemos e eles que ficam tonto...”
* Trecho da música "A Revolta", do Ragatoni
FONTE:
https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mp-ba-recomenda-que-estado-e-municipio-cumpram-lei-antibaixaria-no-carnaval/
https://www.bahianoticias.com.br/justica/noticia/60213-relatorio-aponta-que-grandes-nomes-da-musica-infringiram-lei-antibaixaria-no-carnaval-2018.html
https://www.metro1.com.br/noticias/bahia/69091,mp-ba-recomenda-que-estado-e-municipio-cumpram-lei-antibaixaria-no-carnaval.html