Estamos adormecidos! Uma aproximação entre Platão e Marx
- Alan Rangel
- 26 de fev. de 2019
- 4 min de leitura

O objetivo deste breve ensaio é mostrar, de uma forma um pouco ousada, que existe algum nível de aproximação entre Platão e Marx, a saber: que estamos adormecidos. A causa desse sono é a ilusão da dualidade. Ótima leitura!
Para Platão, o ser humano está em uma verdadeira matrix; ou seja, vive com a ilusão de que esse mundo é o único que existe. Na verdade nada aqui é real, pois há algo inexoravelmente superior, longe dos sentidos e da experiência ordinária. Tal realidade está além das aparências, distante da vulgaridade dos hábitos e tolas rotinas.
O mundo superior e supra sensível é a verdadeira origem de todas as coisas! É um plano sem dualidade e sem contradição. Só há unidade! A pluralidade é uma ilusão ou adormecimento, incapaz de revelar a Verdade Eterna, oculta aos olhos leigos. No fundo o que está por trás de tudo é o Ser; sua própria natureza é a essência de todas as coisas. É dever do ser humano reencontrar a sua contraparte original, sua sublime identidade Una. É essa tomada de consciência que liberta o homem dos grilhões e da ignorância que o prende, alcançando a maestria da liberdade.
É somente o despertar interior que ultrapassa diferenças, futilidades, vãs paixões, passatempos que colonizam a reflexão. A trilha verdadeira é o encontro com o belo em si, o humano genérico. Na ontologia de Platão, a única coisa que realmente é eterna e imutável, que ultrapassa esta dimensão permeada de mudanças, é a consciência, anterior à própria vida. E acordar para essa realidade é afastar-se de falsas divisões.
Em Marx há uma forte convicção que o ser humano precisa ser livre, e isso faz parte de sua essência. Enquanto não alcançar a liberdade, o homem continuará fragamentado, cingido, incompleto e escravizado pelas convenções e condições sociais concretas que estabelecem muralhas, hierarquias e desigualdades sociais.
As classes, as estratificações sociais, a divisão entre trabalho intelectual e manual, os proprietários e não- proprietários vivem em uma completa contradição – social e individual - em um binarismo que afasta-os de sua verdadeira completude, a unidade de si mesmo. Aqui, diferente do filósofo grego, a busca pela unidade é a do homem com ele mesmo, sem nenhum tipo linguagem sagrada ou mística. Não existe um outro mundo para apoiar-se: é na dimensão terrena o verdadeiro caminho para a realização das potencialidades humanas, sem coação, exploração, enfim, sem dualismos sociais.
A falsa concepção dual do mundo, uma construção distorcida e abominável da existência, é um afastamento da totalidade humana. Do comunismo primitivo aos dias atuais, aponta o pensador alemão, houve um retrocesso moral no qual o homem deixou de si reconhecer, alheio ou alienado pelas condições sociais que impõe uma visão fragmentada e dicotômica do mundo. A ascensão e o progresso moral só poderá realmente ocorrer quando a sociedade estiver configurada para tal realização, e esse meio é a igualdade social; sem mudar as condições materiais que possibilitam-na (a liberdade) é impossível a humanidade ser livre. "A superação da propriedade privada, é por isso a emancipação total de todos os sentidos qualidades humanas. Mas é precisamente esta emancipação, porque todos os sentidos e qualidade se fizeram humanos, tanto objetiva como subjetivamente”. [1]
Para Marx, despertar para a unidade é uma condição necessária à verdadeira liberdade, não a dos liberais que acreditam- na dentro de uma sociedade dominada pela autoridade do mercado e das funções básicas do Estado e suas instituições. É a autogestão a verdadeira razão de existir do ser humano; único caminho que o torna senhor de si, livre.
O homem no comunismo é um homem social e consciente de seu trabalho. Recupera seu ser genérico e acorda do estranhamento de si, do outro e com relação ao fruto do seu trabalho. “A questão de que o homem genérico está estranhado do seu ser genérico quer dizer que um homem está estranhado do outro, assim como cada um deles [está estranhado] da essência humana”. [2]
Essa busca da integralidade/unidade do humano é um retorno a si e ao social. A dissolução do antagonismo entre os homens e entre estes e a natureza é o fim da alienação: é a consciência global que abarca a sua essência como ser trans- individual.
Por fim, o homem genérico em Marx não é um ser abstrato, mas concreto, de carne e osso, histórico, portanto; em Platão esse ser emancipado é espiritual, e conectado ao transcendente. Mas ambos têm a dimensão de que a liberdade só é possível a partir do despertar da consciência para a ausência da dualidade e das contradições; é a própria conexão com a unidade. Há obviamente diferenças quanto á conquista do Santo Graal: para o socialista é através da radical transformação da sociedade; e para o discípulo de Sócrates é a partir de uma alquimia interior.
Até a próxima!
[1] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos Terceiro Manuscrito. Coleção Os Pensadores. Tradução de José Carlos Bruni. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1978. p. 3 - 48.
[2] MARX, Karl. Manuscritos Econômicos - Filosóficos. São Paulo: Boitempo, p.86, 2010.
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