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Foto do escritorAlan Rangel

Pseudociência, pós - verdade e ignorância

" Você pode influenciar mil homens se apelar para os seus preconceitos do que se tentar convencer apenas um pela lógica. [1]


Vivemos um período em que contra fatos há quaisquer tipos de argumentos. Argumentos baseados em premissas ou razões ilógicas. Sim, estamos atravessando um momento delicado, no qual crenças, valores, superstições são aclamados e inflamados para negar fatos. A falta de um pensamento cético e de avaliação séria no combate à ignorância e imitação barata é um retrocesso inimaginável.


Em 1995, o ilustre astrônomo e divulgador científico, Carl Sagan, em sua última obra, O Mundo Assombrado pelos Demônios, dizia que os EUA era uma nação completamente ignorante quanto à ciência, o que ele chamou de analfabetismo científico. Por mais que a ciência e tecnologia tenha alavancado meios de transportes, comunicação, educação, remédios, medicina eficientes e bastante desenvolvidos, a população não foi educada ou estimulada a ter conhecimento sobre como tais coisas são feitas, e por que assim o foram. Esse desconhecimento leva a diversos problemas sociais. Final do século XX, Sagan já previa as consequências de seu país,


“Minha preocupação é que, especialmente com a proximidade do fim do milênio, a pseudociência e superstição parecerão mais sedutoras a cada ano, o canto de sereia do irracional mais sedutora e atraente. Onde o escutamos antes? Sempre que nossos preconceitos étnicos e nacionais são despertados, nos tempos de escassez, em meio a desafios à autoestima ou à coragem nacional, quando sofremos com nosso diminuto lugar ou finalidade no Cosmos, ou quando o fanatismo serve ao nosso redor – então hábitos de pensamentos conhecidos nas eras passadas procuraram se apoderar dos controles”. [2]


Olhando para o lado de baixo dos trópicos, a coisa tá bem aterradora. Dados do PISA (Programa de Avaliação Nacional de Estudantes) em 2015, apontou que o Brasil está entre os oito piores países no ranking de aprendizado de jovens na área de ciências. O ranking foi baseado em membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo o Brasil um dos países convidados. Ficamos 63ª entre as 70 nações avaliadas. [3]


Pseudociência. A pseudociência é um apelo às necessidades emocionais, alimentadas por fantasias e delírios confortáveis a um mundo perfeitamente ajustável aos gostos particulares, satisfazendo egos. A ciência, pelo contrário, tende a causar desconforto, afrontando os preconceitos e estimulando a maturidade intelectual. Quanto maior a ignorância em relação aos procedimentos científicos, maior a pseudociência. Esta, imbui-se de hipóteses descabidas e calcadas em um senso comum infalível a quaisquer perspectivas de refutação e testes que possam ser invalidadas ou falseadas. Na verdade, uma aura de falácias informais, que apelam para dimensões psicológicas ou emocionais, não centradas na lógica, tem rondado o mundo atual.


Pós - verdade. Segundo o dicionário de Post-truth (pós-verdade) é relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais. A internet tornou-se uma ferramenta de disseminação de conteúdos inverídicos, e, infelizmente, a ética está sendo escrachada. Se aproveitando de uma população pouca inteirada pelo ceticismo, que aborta o olhar crítico, científico ou filosófico, e pela incapacidade de captar incoerências, os fatos viram fatos alternativos, que não podem ser comprovados. Curiosamente, em 2017, alternative fakten foi a "despalavra" do ano na Alemanha.


Autoridades políticas se aproveitam da ignorância social para jorrar noticiais e pseudo pesquisas completamente ficcionais, empobrecendo o debate público e minando a Democracia. Que o diga nosso presidente atual, que, de acordo com o site Aosfatos.org, responsável por captar informações falsas, mostrou que em 133 dias de governo, Bolsonaro deu 182 declarações falsas ou distorcidas. [4] O mesmo vale para o presidente dos EUA. Uma pesquisa realizada pelo The Washington Post[5], no início do mandato de Trump, janeiro e fevereiro de 2017, apontou que o presidente contou ao menos uma declaração falsa por dia. Um verdadeiro disparate!!


A internet. O mundo virtual também acabou virando um canal de divulgação de informações falsas. Qualquer um pode escrever o que bem entender, e muitos acabam por basear seus escritos em suspostas verdades científicas, ou informações mal intencionadas sobre uma realidade objetiva. O falecido escritor italiano, Umberto Eco, foi muito cirúrgico ao falar da leviandade e o culto ao anti intelectualismo na internet:


“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel” [6]


Nobres e atentos leitores, o obscurantismo moral, científico e intelectual, a desonestidade e postura de mau-caratismo aos acontecimentos reais do cotidiano é um gap ou lacuna perfeita para provocar caos, medo, semear confusão, divisões políticas, partidárias e ideológicas, violência, despertando instintos primitivos e passionais, reacendendo pensamentos reacionários e sectários, e atropelando os fatos verídicos. E mais: pseudociência e a falta de critérios rígidos na verificação de fontes confiáveis dissemina a xenofobia, racismo, misoginia, lgbtfobia, etnocentrismo, danos perversos ao progresso moral. Me permitam finalizar com outra citação de Carl Sagan: "Quando somos indulgentes conosco mesmos e pouco críticos, quando confundimos esperanças e fatos, escorregamos para a pseudociência e superstições". [7]


Até a próxima!


Fonte da imagem: https://redacaonline.com.br/blog/tema-de-redacao-pos-verdade/


[1] Citação de Robert A. Heinlein, retirada da obra A Morte da Verdade, de Michiko Kakutani. Referência. KAKUTANI. Michiko. A Morte da Verdade: notas sobre a mentira da Era Trump. Tradução André Czarnobai; Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018, p. 168.

[2] SAGAN, Carl, O mundo assobrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.44.

[3] https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-esta-entre-os-8-piores-em-ciencias-em-ranking-de-educacao/#

[4] https://aosfatos.org/noticias/em-100-dias-6-em-cada-10-declaracoes-de-bolsonaro-sao-falsas-ou-distorcidas/

[5] https://oglobo.globo.com/mundo/mentirometro-trump-fez-declaracoes-falsas-em-todos-os-dias-de-governo-20963022

[6] Trecho de uma cerimônia na Universidade de Turim, em 2015. https://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/02/5-frases-memoraveis-do-escritor-umberto-eco-sobre-redes-sociais-e-tecnologia.html

[7] SAGAN, Carl, O mundo assobrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.45.


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