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SER OU NÃO SER SUJEITO... EIS A QUESTÃO!!!

Foto do escritor: Thiago Araujo PinhoThiago Araujo Pinho

Parece óbvio que termos como “sujeito” descrevem algo no mundo, alguma coisa que posso facilmente apontar e representar, algo de íntimo, pessoal, mas não é tão simples assim. A palavra “sujeito”, como qualquer outra do nosso vocabulário, sempre passou por transformações ao longo da história, ganhando tonalidades mais fortes nos últimos tempos, como é possível perceber ao longo desse ensaio. Saímos de uma versão sombria, foucaultiana, onde o sujeito é uma resultante de relações de poder, presos numa malha rígida de linguagem, e chegamos até versões mais otimistas, onde o próprio processo de subjetivação guarda novas possibilidades e novas articulações políticas. O “sujeito” acaba sendo um reflexo perfeito de como a nossa linguagem não apenas transforma suas próprias fronteiras, como também arrasta consigo todo um conjunto de corpos, ao alterar suas expectativas.


Em seu livro “Édipo-Rei”, Sófocles apresenta o tão famoso Oráculo de Delfos, figura responsável pela frase mais impactante na história da filosofia, servindo hoje como uma referência até mesmo em debates sobre Coach e auto-ajuda: “conhece-te a ti mesmo”. Ao realizar um tipo de deslize hermenêutico, muitos entendem essa frase como um convite a um mergulho interior, um espaço de autoconhecimento, quase como numa consulta com um psicólogo. Essa interpretação anacrônica desconsidera um simples fato: a história; o quanto cada período carrega seu próprio arranjo de definições, a sua própria linguagem. Para um grego, um aristotélico, “conhece-te a ti mesmo” jamais seria uma caminhada em direção a um universo interior, algum espaço subjetivo, mas sim ao contrário. “Conhece-te a ti mesmo” nada mais é do que “saiba o teu lugar”, já que parte da ideia de que o universo é ordenado e evidente, cabendo ao indivíduo apenas descobrir o seu espaço, o seu nicho. O objetivo, portanto, não é uma caminhada rumo a uma caverna profunda chamada subjetividade. É preciso se adequar a um espaço já pronto, já dado, conselho não seguido por Édipo, ao tentar fugir da profecia de Delfos, assim como seu pai, Laio, tinha feito antes dele.


Com o nascer do século XVIII, repleto de um aroma revolucionário, as coisas começam a seguir um rumo diferente, liderado por um filósofo metódico, tímido, mas profundamente radical. Kant e seu giro copernicano, ao centralizar o papel do sujeito no núcleo do próprio conhecimento, consegue criar um novo campo de definições. Sujeito agora passa a ser a condição de possibilidade do próprio conhecimento, um tipo de a priori que nos acompanha a cada segundo, quase como uma máscara que não conseguimos tirar, não importa o que aconteça. Depois de Kant, Husserl, o pai da fenomenologia, continuou no mesmo ritmo, buscando o fundamento da consciência, segundo uma trilha transcendentalista, ou seja, a priori. Sem entrar em detalhes em cada uma dessas visões, o importante é destacar o quanto o termo “sujeito” não apenas começou a existir, como também foi sendo incorporado dentro de uma retórica naturalizante, universal, onde tudo gira em torno de suas fronteiras. Como é possível perceber, a ideia de que o sujeito é um processo histórico, passageiro, ainda é um sonho distante, nada mais do que um delírio empirista.


No século XIX, com a chamada quebra do paradigma cartesiano, responsável pelo aparecimento das ciências humanas e as teorias da suspeita, o “sujeito” perdeu sua base metafísica, a priori, ou seja, perdeu sua obviedade, não sendo mais uma simples referência epistemológica, condição para o saber filosófico, como acontece na fenomenologia da Husserl, no existencialismo de Sartre, ou mesmo com Kant, e seu sujeito transcendental. Sujeito, agora, ganha uma tonalidade mais histórica, passageira, trazendo uma série de traços de poder e manobras institucionais. A temporalidade, a história, começa a transbordar pelos cantos, não apenas revisando seus contornos, mas até mesmo implodindo toda sua estrutura. Em outras palavras, temos o início daquilo que muitos chamam de descentramento do “sujeito” ou de “processos de subjetivação”. O sujeito passa a ser um processo, um arranjo, ao invés de alguma essência ou alguma carcaça transcendental.


Ao aplicar sua arqueologia, escavando as várias camadas presentes na linguagem, sem medo do que pudesse descobrir, Foucault observa um novo fenômeno no final do século XIX, um tipo de atmosfera bem incomum, uma espécie de dúvida insistente, até mesmo direcionada ao pensamento. Um ar de suspeita começa a aparecer no horizonte, trazendo vários nomes como Freud, Marx e Nietzsche, tornando tudo mais cinzento e obscuro. Tudo passa a ser questionado, num tipo de mergulho profundo e ácido. Seguindo a trilha desses mestres da suspeita, especialmente de Nietzsche, Foucault, em sua história da sexualidade, rastreia os contornos dessa coisa aparentemente óbvia chamada sujeito, tudo aquilo que se esconde por trás da sua fantasiosa firmeza interior.


O sujeito parece que perdeu sua capa mágica, trasncendental, um a priori presente em todas as pessoas e em todos os lugares, tornando a si mesmo um simples efeito, um resultado de um certo arranjo discursivo, e nada mais. É necessário entender os contornos dessa subjetividade, seus enraizamentos institucionais, as narrativas que circulam em torno desse território aparentemente tão íntimo e reservado. Como Foucault sugere em “As palavras e as coisas”, o finito substitui o infinito, ou seja, as interpretações deixam de confiar tanto em recursos transcendentes (fora da realidade), ou transcendentais (categorias a priori), passando para o terreno do histórico, do transitório.


Teorias pós-humanistas, como as de Bruno Latour, Tim Ingold, Graham Harman, Doreen Massey, e tantos outros, chegam ao ponto de negar completamente a existência do sujeito, ao oferecer um destaque maior ao reino dos objetos, ao seu protagonismo até então esquecido. Saímos do terreno intersubjetivo para o interobjetivo, na relação dos objetos entre si, entendendo o humano como mais um detalhe na superfície das relações, ao invés de uma matriz que determina todas as coisas. Ao invés de falar de um subjetivismo, começamos a presenciar um objetivismo, um tipo de horizonte realista inédito, um olhar mais atento ao universo dos objetos, muito além das fronteiras da subjetividade humana. Nessa nova abordagem, o humano é apenas uma parte da pintura, um pequeno traço que completa os demais, nada além do que isso.


A subjetivação em Foucault sempre foi associada a um processo quase “repressivo”, um problema a ser contornado, especialmente através de lutas políticas descentradas, como as que realizou na década de 60. Contudo, hoje em dia, principalmente através de autores pós-coloniais, como Spivak, e Decoloniais, como Mignolo, a subjetivação ganhou um novo toque, mais positivo, embora sem perder as críticas realizadas por Foucault. Spivak e Mignolo, apesar das diferenças entre suas tradições de pensamento, entendem que a construção do sujeito pode ser sim apropriada como um instrumento de resistência. Sujeito agora não significa simplesmente dominação, mas também pode ser visto como um gesto afirmativo, uma conquista de uma identidade diante de um polo rígido e autoritário de poder. Afirmar a existência do sujeito é um sinal de uma busca pelo reconhecimento, como diria Honneth, ou seja, uma luta para ganhar território, ou por uma dimensão performática da sexualidade, como é possível ver em Judith Butler. De qualquer forma, o sujeito aqui não pode ser simplesmente abandonado, sob pena de despencarmos em um campo relativista e perigoso. É preciso escapar do universalismo, de um lado, ao reificar o sujeito, como também é preciso fugir do relativismo, sem com isso descartar o sujeito.


REFERÊNCIA DA IMAGEM:

https://www.monolitonimbus.com.br/frases-e-pensamentos/

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