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Foto do escritorAlan Rangel

Só minorias podem salvar a Democracia!

Não existe uma predeterminação humana ao engajamento ou participação na política. A minha argumentação, neste breve texto, é que mesmo em sociedades na qual há enorme estímulo institucional para que o cidadão seja atuante, vigilante e participativo, absolutamente nada garante, a priori, que esses incentivos criem implicações à luta política. Ou seja, uma parte significativa das pessoas, em qualquer tipo agrupamento político, não terá interesse sobre as decisões políticas que impactam diretamente suas vidas.


Há, ingenuamente, uma crença (diga-se ilusória) moderna na perfectibilidade humana, no autogoverno e uma suposta autonomia individual em agir mirando questões de interesse coletivo, o que inclui a política. Qual então o calcanhar de Aquiles da democracia? Uma confiança de que o ser humano, quando bem instruído, pode torna-se um cidadão total, capaz de abandonar necessidades particulares em favor de demandas públicas.


Um dos grandes perigos da democracia em voga, a liberal é, certamente, não controlar a classe política. Isto é um ponto amplamente aceito. Essa negligência pode levá-la (a democracia) ao autoritarismo. Por quê? Porque não existe nenhuma garantia de que, se deixarmos os representantes livres, leves e soltos, sem pressioná-los por accountability, boas leis e responsável uso dos recursos públicos, pagos com nossos impostos, eles respeitarão o atual Estado de Direito, resguardando todas as liberdades individuais, inclusive das minorias. Por isso que em um regime democrático, os civis devem controlar as ações dos eleitos. Não é fácil. Ser um animal político não é um dado natural: exige um esforço, um hábito constante, que muitas pessoas não estão dispostas a enfrentar, simplesmente porque não desejam. Mesmo num nível ideal de completa disseminação à convocação, participação e deliberação política, nada garante que todos ou a maioria irá aderir. Mesmo em um cenário de quase igualdade social/econômica, não há também certeza de participação majoritária.


A apatia política dos cidadãos jamais pode ser um sinal infalível de que os representantes estão cumprindo bem seus deveres. O uso da propaganda e diversas formas de disseminar ideologias podem criam um mundo fictício, de naturalização da realidade social e discursos que privilegiam o status quo.


Engajamentos e ativismos políticos em massa podem ocorrer em momentos esparsos ou excepcionais: luta por melhores condições salariais, afirmação étnica/identitária, causas a favor da sobrevivência do meio ambiente ou quando há crescimento da violência, fome, desemprego. Sim, há manifestações políticas, como as que ocorreram nas Jornadas de Junho de 2013, e outras posteriores, no caso do Brasil. Contudo, esses engajamentos ou amplas manifestações não são espontâneos, normalmente são incentivados e organizados por um núcleo minoritário. São estes que, via de regra, mantém um ativismo e compromisso político permanente, capazes de mobilização. É sempre uma vanguarda, defensoras ou não do regime democrático.


Uma cidadania constante, permanente, é improvável a uma maioria social[1], ainda mais agravada em contextos complexos e multiculturais. Não existe uma essência política em nosso DNA, pronto a ser disparado quando o momento for favorável! Não existe um espírito anímico para a cidadania! Estruturas sociais não explicam cabalmente a insensibilidade ou o desinteresse pela participação política.


A vida não se resume a cumprir um papel ativo de cidadania; o que não quer dizer que não aprendemos nossos deveres sociais. Mas daí achar que existe um salto à cooparticipação ou interesse em acompanhar ou tomar decisões, de grandes consequências aos rumos de uma cidade, estado ou país, é outra história.


Isso não tem nada a ver com questões de renda, cultura ou país. Não existe lei histórica indicando que maiores condições econômicas ou culturais levam, inevitavelmente, ao gosto pela política ou a motivação por estar nela. No mínimo, algumas aproximações podem ser buscadas.


A teoria democrática representativa elitista tem que enfrentar a constatação de que não há como garantir que políticos sempre agirão conforme o que as leis prescrevem. Também não tem como sustentar a tese, principalmente no caso das teorias participativas/deliberacionistas e diretas de que os cidadãos quando estimulados, diariamente, irão, de forma inequívoca, tomar gosto em participar dos rumos da sociedade além do simples ato eleitoral. A indiferença é uma variável que não pode ser intelectualmente desprezada. Negar tal fato é cair em ilusões e utopias ingênuas. Falando sobre teoria democrática participativa:


“Ao julgar que a apatia seja somente um efeito da ausência de oportunidades e do desestímulo estrutural, a aposta na disposição das pessoas para o envolvimento político é talvez excessiva”.[2]


Em contextos de participação direta, a maioria não estaria presente de corpo e alma.


"Mesmo em assembleias de umas poucas centenas de pessoas haverá uma maioria de participantes passivos, que escutam uns poucos falarem em nome de umas poucas posições e depois ponderam e votam" [3].


Leitores, a Democracia, sem dúvida alguma, é bastante frágil e corre sempre o risco de descambar em regimes autoritários, como predisse francês Tocqueville, no século XIX. No entanto, quanto menos estímulo os Estados dão à promoção da cultura política, a organizações civis e associativismo – que pode incentivar alguns cidadãos à prática constante de interesse público - maior o risco de ascender oligarquias que abusam do poder, justamente por não encontrarem resistências. Esses políticos podem rasgar a Constituição, impondo interesses ad hoc. Atualmente, não é difícil ruir democracias, com governantes tendo apoio maciço da população.


À guisa de conclusão, quem realmente pode salvar as Democracias não são maiorias, mas, sim, minorias comprometidas com os ideais democráticos e conectados ao cidadão comum. Outras minorias, que rejeitam os valores e instituições democráticas, tentarão mobilizar a população (que, em geral, é desarticulada, com demandas e desejos difusos e interesses voláteis) com discursos difamatórios. As minorias (ativistas, intelectuais, jornalistas, políticos, artistas, movimentos sociais, ongs e organizações) engajadas em defender a Democracia, em evitar retrocessos, devem ser protagonistas, incentivando, de múltiplas formas e usando todos os espaços possíveis (físicos ou virtuais), a população a abraçar os valores contidos nela, dispostas a enfrentar os que repudiam o regime e estão inclinadas a destruí-la.


Até a próxima!



Fonte da imagem: http://www.vermelho.org.br/noticia/315743-1


[1] A não ser em pequeníssimas comunidades, com poucas diferenças sociais, onde todos sejam obrigados a participar, mesmo que não queiram internamente, de forma permanente, votando, julgando todos os assuntos coletivos.


[2] MIGUEL, L. F. Teoria democrática atual: esboço de Mapeamento. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 59. São Paulo: Editora da Revista BIB, p. 27, 2005.


[3] YOUNG, Iris Marion. Representação política, identidade e minorias. Lua Nova, São Paulo, 67, p.145, 2006

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