Por Dayane Tosta
Como são formados os estereótipos e como são reproduzidas as histórias únicas que degradam lentamente a memória coletiva de um povo? Existem muitas respostas e métodos de investigação para essas questões, no entanto, gostaria de dar ênfase a um viés de resposta que trata do processo de dominação sob o qual foram submetidas as culturas dos povos colonizados. O processo de domínio exige que a verdade esteja do lado dos colonizadores e isso implica uma radical negação do outro, como se o outro não tivesse possibilidade de dignidade fora da tutela do próprio algoz.
É nesse contexto que se trama a construção de uma história única referente ao povo negro, de modo que os traços característicos da cultura dominada são inferiorizados para que a culpa sobre a violência da dominação recaia sobre os dominados, que sem a “graça” da exploração realizada pelos colonizadores estariam fadados a auto aniquilação.
Uma das vozes que contribuem para a construção desse texto é da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, em sua palestra “O perigo da história única” - disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc - ela apresenta de forma muito sensível a partir de notas autobiográficas a ameaça da cristalização de uma face da verdade ou um aspecto da história, um processo responsável pela criação e perpetuação do que ela chama de história única. Isso nada mais é do que uma versão cheia de estereótipos sobre um lugar, povo ou cultura. Ao ler a realidade sob as lentes de uma história única, o ser humano está fadado a rejeitar quaisquer outros aspectos que compõem aquela narrativa. E ao ignorar essa multiplicidade de referências e facetas o leitor mutila a realidade.
A construção ideológica da Princesa Isabel, como heroína nacional libertadora dos povos escravizados, nada mais é do que um exemplo explícito de construção de uma versão oficial da história que coloca o colonizador no lugar de redentor da pátria. Uma das maiores crueldades da educação brasileira diz respeito a esse fenômeno caracterizado por sempre retratar o povo negro como povo escravizado. Como se o berço da civilização ocidental não estivesse fincado em terras africanas. A criança negra precisa construir novas memórias em relação à história do seu povo, e a escola pode ser um espaço de fortalecimento de identidades emancipatórias.
A contemporaneidade respira os ares da pós-colonização e somos responsáveis por escrever a história da decolonização [1], isto é: somos responsáveis por reproduzir outras versões da história. O perigo da história única sempre vai rondar nossas mentes, discursos e práticas. A literatura, a arte, a cultura e a educação são personagens importantes no processo de criar novas representações, outras perspectivas, diversos modos de ver e compreender a história de um povo ou cultura.
Sendo assim, é preciso, antes de mais nada, que cada ser colonizado perceba o estrago que a colonização fez na sua memória afetiva e tradição cultural; é preciso saber-se colonizado e esse saber se constrói paulatinamente, não da noite para o dia. Faz-se necessário muita educação, representatividade e consciência étnica. Trata-se efetivamente de uma revolução epistemológica, discursiva, dos hábitos e modos de ser.
[1] Decolonialidade refere-se a uma linha de estudos que se originou por meio de pensadores latino-americanos que questiona a preservação da epistemologia colonial, bem como todas as formas de relações pautadas na dominação.
Fonte: http://nodeoito.com/estereotipos-perigos-historia-unica/