"Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem"[1]
Um fenômeno moderno e ocidental, levado ao extremo no século XXI, chama muita atenção: palavras religiosas viraram uma apropriação subjetiva, pois cada um pinta Jesus com sua própria cor. A democratização da interpretação privada do divino (muito impulsionada pela Reforma Protestante, mas com raízes mais antigas) foi tão banalizada que chegamos ao ponto de um fiel considerar-se religioso e defender tortura, execução, pena de morte e uso de arma pessoal. Em outras palavras, elogia-se a defesa da mesma barbárie que crucificou Cristo. Vivemos em tempos de balbúrdia!
Em Pindorama, e alhures, a gourmetização religiosa, particularmente a cristã, é uma subjetivação bel prazerosa e premium da figura de Jesus, ao gosto do fiel degustador. Hoje, basta apenas ter alguma fé no divino encarnado sem a devida prática da compaixão, reflexão e aprofundamento bíblico - que deveria fazer parte da compreensão das santas revelações. Tornou-se regra ignorar ou modificar as sábias palavras de Cristo e mesmo assim considerar-se um seguidor. O devoto louva a ignorância sobre os fatos e adere aos sentimentos mais primitivos, grosseiros, anticristãos.
Em nome da Deus muitas guerras foram praticadas. Ainda são. Infelizmente, elas sempre foram instrumento político, ideológico que leva à intolerância e aniquilação do outro! A novidade é que hoje os conflitos acontecem aí, no dia a dia, com maior naturalidade. O aprisionamento subjetivo de Cristo acabou virando a medida universal, glorificado pela autoridade do fiel, que em vez de ser temente ao transcendente, pasterioriza-o à sua própria vontade e semelhança. Um "cristianismo à la carte”, ao gosto do freguês. O velho Nietzsche tinha mesmo razão quando disse que "o cristianismo morreu na cruz".
Adotamos um cristianismo privado ("o meu Cristo, o "meu Deus", a "minha congregação") e usamos como arma contra tudo e contra todos que pensam diferente. A prática do amor passa muito longe. Se na crítica de Ludwig Feuerbach, no século XIX, o homem genérico criou Deus, hoje a divindade virou completamente contornável a partir de vários afetos e desejos arbitrários, solitários ou compartilhados.
A consequência nefasta é o acirramento das divisões sociais: todos querem o monopólio da fé e da verdade. Estamos sempre a mercê de um retrocesso civilizacional, ainda mais quando líderes e falsos ídolos ganham protagonismo e vomitam perseguição, intolerância e repúdio aos diferentes.
Além do mais, os conflitos cotidianos, no mundo físico e virtual, só tendem a criar redes antissociais, que, se levada ao extremo, podem acarretar em um estado de selvageria permanente.
As belas palavras no Sermão da Montanha deveriam ser objeto de maior reflexão:
"Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos igualmente assim? se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de notável? Não agem os gentios também dessa maneira?" [2]
Até a próxima!
[1] Mateus 5:44
[2] Mateus 5:46
Fonte da imagem: https://www.universidadedabiblia.com.br/bibliaarma/