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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

A Série Tabula Rasa e a memória seletiva


Certamente, a faculdade mental que mais acessamos é a memória, que serve para guardar informações, recuperar fatos esquecidos, armazenar passagens do cotidiano, celebrações e afetos. Alguns acontecimentos rendem maiores lembranças que outros, o que indica seletividade em marcar em nossa mente eventos mais prazerosos que dolorosos; informações temporárias e outras bem duradouras. Podemos recordar fatos da infância com clareza, mas esquecemos o local onde estávamos no carnaval ocorrido a três anos. Quando há traumas ou acidentes, a situação fica bem mais grave e perdas de memória costumam acontecer.


A perda de memória grave – amnésia – é o mote para o enredo da série belga (com diálogos em holandês) “Tábula Rasa”, exibida em temporada única, com nove episódios, na plataforma Netflix. TO título é uma conhecida expressão de origem latina que significa “folha de papel em branco”, mas também pode ser traduzida por “mente vazia”. Envolve suspense e investigação policial após um acidente automobilístico sofrido pela protagonista Annemie, o que provoca a total falta de lembranças sobre diversos incidentes em que está implicada. Annemie leva semanas em um manicômio enquanto tenta recordar sobre o que teria acontecido com um homem que desapareceu meses atrás e que ela estaria estranhamente comprometida com seu sumiço. A partir de então, os tempos se entrelaçam entre o presente e um passado recente, quando ela se muda com o esposo e a filha para a residência que pertencia a seu avô. Fatos sobrenaturais despertados pela casa (ambientada em uma floresta soturna, típica em histórias que flertam com o terror) aterrorizam a frágil mulher, que ainda precisa lidar com o comportamento rebelde da filha, o marido distante, a mãe lasciva, e o pai com Alzheimer.


Durante os episódios, os transtornos da protagonista estão sempre abrangendo a memória seletiva, as imagens que o cérebro absorve, a transfiguração da realidade, o sentido ambíguo de uma mente com transtornos psiquiátricos, ora consciente, ora deturpadora de significados. E como pode haver alguma similaridade entre a amnésia e a loucura.


“Tábula Rasa” é mais uma daquelas séries que tentam dar um nó na mente do espectador, quando em certo momento, não se sabe o que é real ou o que é pura imaginação. A relação entre Annemie e os pacientes do manicômio parecem mais lúcidas e coerentes do que com sua família. As passagens com o homem misterioso que está desaparecido e a tentativa para lembrar dessa convivência faz a trama se desembrulhar em várias nuances, tentando preencher a mente da personagem, abalroada por esquecimentos e que necessita de recordações fundamentais para a reconstrução de sua vida. Mas o foco é sempre a memória, onde ela se encontra, qual o papel dela em nosso destino e como precisamos dela para nos mantermos lúcidos.


FONTE:

https://correio.rac.com.br/mobile/materia_historico.php?id=422554

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