Vivemos atualmente no tempo de um novo vírus. No Brasil, saímos recentemente do que chamo de efeito Zika (ao menos epidemicamente falando). Estamos diante do efeito corona, por assim dizer. Como podemos repensar nossos hábitos, costumes e sociedade diante desta nova ameaça? E quais são os efeitos colaterais de lidar com efeito Zika e efeito Corona?
Quando falo em efeito Zika, estou falando de uma forma específica de expressar ações cujos envolvidos são seres e sentidos específicos. Zika é um vírus, mas Zika também é uma doença que se refere a um lugar, daí se falar de vírus da Zika. O próprio termo “vírus” vem de uma área científica. Zika, então, assim como Corona, unifica o sentido científico de lidar com doenças.
Por outro lado, as Ciências Sociais têm nos alertado para a relação entre Política e Ciência, objetividade/neutralidade e subjetividade/valores há tempos. Em outras palavras: a antropologia tem denunciado o caráter político “por trás” da ciência e de sua aura de imparcialidade. Seu erro, a meu ver, é fazer a denúncia sem seguir as redes que conectam Ciência e Política; ou, do mesmo modo, se precipitado em pintar tudo de político e ignorando as diferentes práticas políticas das práticas especificamente científicas.
Outras alternativas para lidar com a doença vem de outras práticas, não científicas no sentido institucional e histórico da ciência de origem européia e moderna. Para certos grupos, existem outras ciências, pois o sentido de ser ciência não é posse apenas de cientistas de laboratórios com seus longos jalecos brancos; índios e chineses tradicionais, por exemplo, têm sua própria ciência. Existe também a maneira religiosa no sentido cristão do termo. Em duas ocasiões, assisti aos testemunhos de pais que, mesmo sem se conhecer, falaram de uma filha, criança, que só foi curada pelo que a ciência chama de epilepsia, por meio de preces para Jesus – outra alternativa é o uso (olha o termo) medicinal de canabis, pena que os pais do exemplo pareciam ser contra esse tipo de tratamento.
De todo modo, temos diversas maneiras de se lidar com a “doença”. Por isso, quando falo de “efeito Zika” e, agora, “efeito Corona”, quero enfatizar a relação Política-Ciência. Quando desdobramos as redes mundiais (OMS), nacionais e locais, estamos diante do que a antropologia simétrica chama de redes sociotécnicas (pois misturam “sociedade” e “tecnologias” ou “técnicas” no sentido científico do termo). Com elas, podemos pensar na relação Política-Ciência como rede. Então, o que ganhamos quando aderimos a essa relação?
Essa é a segunda questão do texto: a escolha entre, por exemplo, utilizar ou não uma vacina nos coloca diante de valores, no sentido moral: tomar uma decisão para bem ou para mal, boa ou ruim sobre escolher a medicina – a ciência – ou não. Os cristãos do meu exemplo escolheram sair da conjunção Ciência-Política para Religião, opondo-se, desse modo, politicamente ao uso da vacina. Politicamente porque a Lei pode ser acionada de diversas formas para combater esse tipo de prática. O que nos remete para uma questão clara de poder. Assim, temos Religião-Política (re)nascendo toda vez que alguém toma esse tipo de decisão.
No caso do efeito Zika, mulheres que tiveram filhos/filhas com microcefalia, por exemplo, dão relatos sensibilizadores sobre a experiência, assumindo que são Mães de Anjo. Novamente, a relação Ciência-Política, sob o efeito Zika, assume uma conotação religiosa, porém, será que política? Não sou capaz de responder a essa questão, mas sei que a política pode ser entendida como uma maneira de agregar práticas em disputa de poder e de direitos, lidando, assim, com conflitos. Neste caso, toda vez que as Mães de Anjo se unem a relatórios científicos sobre o efeito Zika, e protestam pela falta do pagamento de assistências, sei que sua ação tornou-se científico-política...
Em outras palavras: se você promove a ciência, participa dela, você está participando de um “time mundial” que avança sobre outros saberes e práticas. Tenha ou não consciência disso. Porém, como a ciência não é uma coisa só, existem várias áreas operando ao mesmo tempo. Então quando falamos em Política-Ciência e seu poder sobre outras práticas, estamos nos referindo a relação entre Governo e práticas científicas específicas. Neste caso, a Saúde aparece como uma conjunção entre Política e Ciência hegemônica. Esta conjunção, por sua vez, parece ser a preferida pelo Governo. Por isso, a relação saber-poder, como diria o filósofo francês Michel Foucault, aparece como um discurso cujo poder institui dispositivos ou mecanismos de, a um só tempo, instituir a verdade (científica), ao mesmo tempo em que pode, mundialmente, estabelecer práticas diversas de controle populacional.
Em suma, quero concluir com uma questão: por que a Ciência Moderna não consegue erradicar a doença? Por que efeito Zika e, agora, efeito Corona. Acredito que não seja a Ciência o problema, mas sim a incapacidade global de estabelecer relações com a doença de um modo alternativo. Ou seja: trata-se sempre de prevenção. Mas numa China e num mundo tão populoso, e no regime climático atual, o Antropoceno, o futuro precisa ser encarado com criatividade para alterarmos nossa herança científico-moderna. Outros regimes de tempo precisam ser acionados.
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