Por Tulani Nascimento
Nunca gostei de alisar meu cabelo. Desde pequena me sentia incomodada com aquilo. Meu humor mudava quando era dia de ir pro salão. Era horrível, minha cabeça ardia, perdia uma manhã inteira no salão: Primeiro alisa, depois coloca massagem, agora vem a escova e aí vinha o pior, eu tinha que voltar de bóbis para casa. Eu era a chacota da rua.
É importante dizer que alisar ou não o cabelo, não faz uma pessoa ser mais ou menos negra. Não invalida a luta por igualdade de ninguém. Cada um deve escolher o caminho pelo qual seguir, mas, tenho certeza, por experiência própria, que quem experimenta superar todo o processo de transição capilar tem uma sensação de liberdade única. A verdade é que no começo são vários sentimentos desencontrados. E não é só isso, as opiniões daqueles que estão acostumados com os cânones de beleza impostos, fazem questão de te mostrar que o caminho não vai ser fácil, mas é um processo bonito de encontro consigo mesmo e de aceitação.
Definido por muitos como “a moldura do rosto”, o cabelo pode dar informações sobre as origens, pertencimento a grupos sociais e hábitos de uma pessoa, aproximando ou afastando indivíduos enquanto elementos de identidade corporal. Eles possuem uma grande capacidade de expressão simbólica vinculados a um contexto sociocultural (KING, 2015, p. 8).
Amar o seu cabelo afro é o que trata o curta-metragem Hair Love escrito, produzido e dirigido por Matthew A. Cherry com co-direção de Karen Rupert Toliver. Vencedor do melhor curta de animação do Oscar, o curta lembra da minha infância e de como estamos evoluindo. Na minha época não tinha bonecas pretas, nem Kirikú, nem a Escola Maria Felipa – quem não conhece dá uma "googada" e corre pra conhecer a Escola Maria Felipa, é o sonho de consumo de qualquer mãe. De maneira delicada Hair Love segue a história de um homem que deve pentear a filha pela primeira vez. O curta leva diversas mensagens. A mais fascinante é a normalização do cabelo natural afro e a importância da representatividade. Porque cabelo afro é força, é poder.
Desde sempre o movimento negro reivindica os cabelos, os turbantes e as tranças como símbolo de resistência. O Afro tem um papel marcante em diversos momentos históricos como sendo símbolo de resistência seja no movimento Black Power, na década de 60, ou atualmente com as novas gerações reivindicando o cabelo crespo na Marcha do Empoderamento Crespo em Salvador.
Outro ponto importante é ver uma família negra como protagonista de uma vida cotidiana e não em uma situação marginalizada. Já estamos cansados de ver a imagem do negro associada a violência. De maneira positiva Hair Love retrata a realidade de meninas negras. Mostra uma pequena autoconfiante que desafia a figura paterna a mudar seu modus-operandi. Pensando na importância dos filmes para construir referências positivas, a figura paterna em Hair Love mostra que homens também podem demonstrar sentimentos, ter medo, se emocionar, chorar e podem aprender juntos com as filhas.
No contexto do mercado cinematográfico acabou o discurso de que filmes com protagonistas negros não funcionam. Temos já vários exemplos dos sucessos cinematográficos estrelados por personagens afros, mas saber que depois de criar o enredo do filme, Matthew A. Cherry apresentou a ideia no site Kickstarter, uma plataforma de crowdfunding, onde conseguiu 300 mil dólares para a produção, o dobro do que ele estava esperando, mostra outros caminhos para viabilizar projetos fora da caixinha.
Apesar de ter como eixo central o cabelo afro, Hair Love ressalta que há muitas formas e diferentes belezas. Fala de sentimento, de delicadeza, de amor, de cuidado. De mulheres rainhas. A emoção flui em cada cena.
E o mais bonito de tudo isso é que o curta está disponível no youtube e quem não viu pode ver. Minha recomendação é fazer uma sessão chamando toda a família, principalmente as crianças e fazer uma sessão especial com pipoca e algumas delicias. Aqui quem vos fala é a Tulipa Negra que vai preparar esse fim de semana uma sessão especial de Hair Love para a família. E você?
Fonte: https://images.app.goo.gl/ijGBjmQ9YyhqTqUt8
http://celacc.eca.usp.br/sites/default/files/media/tcc/artigo_nadia.pdf
https://lunetas.com.br/criancas-negras-protagonistas/