O poço, de Galder Gaztelu-Urrutia, distribuído pela rede de streaming Netflix em 2020, atravessa debates que abarcam desde a diferença de classes até as questões como o messianismo na sociedade contemporânea.
O filme pode se inserir no gênero do horror e da distopia por reunir cenas bastante controversas como canibalismo em um cenário de terra sem lei. Os habitantes ou prisioneiros do poço matam e humilham para sobreviver ou apenas por distração, afinal quem se encontra em cima sempre goza dos privilégios de estar um andar sobre o outro e quer mostrar esse poder.
Assim como na sociedade contemporânea, a diferença de classe não nos permite a olhar para baixo e tentar mudar a máquina do sistema. Algo que pode partir de alguém que faz parte do próprio sistema de opressão, nesse caso o protagonista de O poço. Entretanto, a revolução não será feita sozinha.
A mudança da máquina social depende da união de todos que estão no poço. Mas se os de cima não querem renunciar à refeição por um dia para que os de baixo sobrevivam e os de baixo já estão tão debilitados ou mortos, a revolução continuará sendo utopia enquanto a distopia se torna real.
O protagonista, leitor de Dom Quixote, torna-se a personificação do anti-herói de Cervantes. Afinal, como alguém do povo, ou nesse caso do poço, poderia ser herói sem ser respeitado e sem ter nenhum recurso, como um homem sozinho ou com apenas um outro homem poderia mudar o mundo?
Apesar de tentar fazer a revolução na máquina utilizando a violência, pois a ameaça se torna o melhor meio de convencimento já que a vida é o maior bem humano, ou deveria ser. Isso não basta já que é preciso que a mudança seja não apenas estrutural, mas de uma mentalidade individual, algo que não virá espontaneamente enquanto se alimentam afetos egoístas.
A fim de subverter esse afeto individualista é que o messianismo aparece como salvação, mas o protagonista que atua como o messias ou o salvador não pode de fato o ser quando toda a sociedade não colabora para a mudança coletiva.
A ideia de levar uma mensagem, apesar de potente ideologicamente não basta quando os meios não estão preparados para isso. Quando o sistema já está corroído por porcos, assim como mostra a primeira cena do filme. E quem seriam esses porcos? A administração, os governantes e até os próprios oprimidos do sistema que não tem consciência de classe e nem vontade de mudança, seja isso por exaustão ou covardia.
De nada bastara uma mensagem e nem um messias, seja esse um líder religioso ou um líder político, ou um cível, se as estruturas não corroboram para a mudança. A luz, não é algo que está fora do sistema ou afora, mas dentro de cada um que se sente convencido a mudá-lo.
A luz não está na garotinha, símbolo de esperança e fertilidade ou o símbolo da salvação do menino jesus. A luz está na mudança do sistema através dos pequenos atos de políticas públicas e distribuição de renda.
A captação dessa mensagem precisa ser apreendida não só pela administração ou pelo governo que atua nesse poço capitalista que é o mundo do século XXI, mas por toda a sociedade que atualmente tem vivido tempos de cólera desde o âmbito da economia ao da saúde. É preciso olhar para o presente e encontrar a passagem para não acabar no fundo do poço e ela está em todos nós.
Imagem de capa: <https://deveserisso.com.br/blog/o-poco-e-bom-e-vale-a-pena-assistir-confira-trailer-sinopse-e-mais/>