* Por Francisco Assis
Em meio ao caos produzido pela pandemia da Covid-19 no Brasil, uma incômoda pergunta (para não dizer absurda) está sendo feita: salvar a economia ou salvar vidas? Como ninguém no uso pleno da sua razão quer morrer, a resposta imediata seria “salvar vidas”. Ocorre que para uma parcela da sociedade o que importa são os lucros e a resposta “lúcida” para essas pessoas seria “salvar a economia”, com a violenta justificativa de que na medida em que a economia voltasse a funcionar a vida das pessoas seria retomada, ainda que um contingente de indivíduos, sobretudo os idosos, fosse levado a óbito. Contudo, ao se ponderar sobre essa indagação, outras se apresentam: Por que colocar a economia de um lado e a vida de outro? Qual deve ser o papel da economia na pandemia da Covid-19?
Em pronunciamento na noite do dia 24/03 o presidente Jair Bolsonaro afirmou que: “O sustento das famílias deve ser preservado.” Evidente que é imprescindível que o sustento familiar deva ser mantido, mas cabe ao Governo Federal a liberação de verbas coordenada com um planejamento de como essa verba deva ser aplicada para atender as necessidades da população. E continuou: “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa”.[i] A preocupação do presidente para que a população volte a sua rotina normal de trabalho objetivando a reativação da economia, desconsidera o risco de contágio e cria uma falsa oposição entre a economia e a preservação da vida humana. A economia e a vida da população não se opõem, um depende do outro.
O isolamento social como principal medida de prevenção à Covid-19 deve ocorrer de modo articulado com uma ação do Governo Federal que vise dar um suporte financeiro àquelas pessoas que trabalham informalmente, assim como também oferecer auxílio financeiro aos pequenos e médios empresários. Não há como recomendar o isolamento social, afastando a população das suas atividades econômicas, sem oferecer uma contrapartida financeira para que essas pessoas possam passar pela crise sem maiores problemas. É por esse motivo que diversos países que estão enfrentando a crise do novo coronavírus como Itália, Espanha, EUA e Reino Unido, liberaram verbas consideráveis para ajudar a população. No Brasil as ações por parte do Governo Federal de proteção econômica para a população começaram com um atraso de um mês e consiste na criação de uma linha de crédito no valor de R$ 40 bilhões para o pagamento de salários de funcionários de pequenas e médias empresas por até dois meses. Essa linha de crédito está restrita para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano e tem uma taxa de juros anual de 3,75%, com 6 meses de carência para pagar, em até 30 meses.
Como se todo esse cenário caótico fosse pouco, há ainda a irresponsabilidade de certos setores da economia que insistem em defender a tese de que o Brasil não deve parar por conta pandemia, pois o dano econômico da crise será maior do que o dano causado pelo surto da Covid-19. Para a economista Monica de Bolle esse argumento não possui base científica, e acrescenta: “a gente sabe reconstruir uma economia depois de um quadro de depressão econômica, mas a gente não sabe reconstruir um país depois de um colapso generalizado [...]”.[ii] Por colapso generalizado ela está se referindo a um colapso socioeconômico e político, insuportável para um país como o Brasil que já vinha com a economia desestruturada antes da pandemia.
A projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para este ano, segundo o Banco Central (BC) era, até pouco antes do novo coronavírus, de 2,2%, mas atualmente essa projeção foi zerada, o que significa que se avizinha um impacto ainda maior nas atividades econômicas a partir do segundo semestre. Mas é preciso deixar claro que o impacto econômico já era esperado, pois é sabido que após uma pandemia a economia é diretamente atingida, a questão é como o Estado se posiciona frente à crise para salvaguardar a população.
Em meio à grave situação em que o país se encontra como serão tratadas as famílias que residem nas comunidades da periferia? E quanto à população em situação de rua? No Brasil uma rede de solidariedade tem sido formada por voluntários para atender os mais pobres. Mas o que o Governo Federal tem feito nessa direção? É aqui, mais vez, que a economia e a preservação da vida das pessoas devem estar unificadas. Na tentativa de dar uma resposta econômica para a crise, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou projeções em uma série de cenários com a finalidade de potencializar o uso do Programa Bolsa Família (PBF) e do Cadastro Único, e assim minimizar os prejuízos causados pela Covid-19.
Entre as medidas propostas pelo IPEA estão: a) o fim da fila de espera do PBF, com a inclusão de 1,7 milhão de famílias habilitadas a receber os repasses; b) o reajuste permanente dos pagamentos e das linhas de elegibilidade do programa em torno de 29% (atualmente as famílias consideradas em situação de extrema pobreza são aquelas que possuem renda per capita de até R$ 89,00 por mês, e aquelas em situação de pobreza são as que possuem renda per capita de até R$ 178,00 mensal, com o reajuste passaria a ser de R$ 115,00 e R$ 230,00, respectivamente); e c) a criação de um benefício extraordinário temporário no valor de pelo menos R$ 450,00, mantido durante 6 meses, prorrogáveis, para todas as famílias com dados atualizados no Cadastro Único que tenham renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo (R$ 522,50). Essas três medidas aumentariam, segundo o IPEA, em R$ 68,6 bilhões os gastos com transferências assistenciais em 2020. Essas são apenas recomendações do IPEA, porque até o momento nada foi feito por parte do Governo Federal para intensificar a ajuda financeira para essas famílias.
Enquanto isso o governo liberou para os bancos a quantia de R$ 1,2 trilhão! E o que os bancos estão fazendo com esse dinheiro que poderia ser usado para a liberação de linhas de crédito para a população em um momento de crise como este? Estão retendo o crédito e aumentando a taxa de juros! A oposição entre a economia e a vida humana só faz sentido para aqueles que enriquecem com a exploração de tragédias, como a do novo coronavírus. A economia deve ser pautada pela ética e por isso deve servir à sociedade e não ser contra ela.
* Graduado em Filosofia e Economia e doutor em Filosofia pela UFBA.
Fonte da imagem:: https://dcomercio.com.br/categoria/economia/o-coronavirus-a-economia-mundial-e-o-brasil
[i] Pronunciamento na íntegra em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/24/leia-o-pronunciamento-do-presidente-jair-bolsonaro-na-integra.htm
[ii] Entrevista completa em: https://www.brasil247.com/economia/sabemos-recuperar-a-economia-mas-nao-um-pais-em-colapso-generalizado-diz-economista-monica-de-bolle