Existe uma prática corrente em vários países que consiste em remover, por meio de incisão, partes da região externa da vagina – sobretudo o clitóris – e que está sendo enfrentado como grave violação dos direitos humanos e cidadania da mulher.
A mutilação genital feminina é uma ocorrência que abrange séculos, realizada desde o oeste da África, passando pela extensão subsaariana, até o Oriente Médio e Portugal. Múltiplos grupos étnicos realizam o procedimento em meninas com idade até 15 anos. O costume é composto de variadas cargas simbólicas, a depender da região ou conjuntura social.
Devido aos males sofridos pelas mulheres impelidas a tal processo, convenções vêm sendo realizadas para maior contenção do ato, a exemplo da Convenção de Istambul, que criminalizou a intervenção na Europa, com pena de detenção, sob o nome de “Clitoridectomia de infibulação”. A prática pode reduzir desejos sexuais, causar graves hemorragias, infecções, septicemias, infertilidade, entre outros males. Instâncias internacionais trabalham para decretar normas legislativas para a repressão, pautando-se em dispositivos que protegem os direitos da mulher, firmados em congressos da ONU. A ex-deputada holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali, – que sofreu o procedimento – ficou conhecida por difundir a luta contra essa prática. Alguns avanços para conter essa “cirurgia” foram registrados.
A mutilação genital feminina é muito antiga. Foram encontrados indícios de incisão genital em múmias no Egito. Segundo Carla Martingo, no Egito o clitóris era considerado “a parte masculina da mulher”, o que apontava a realização da prática como especificação e distinção de gênero. As dimensões culturais de sua ação, ainda hoje, pressupõem tanto o controle da sexualidade feminina, quanto a liderança e poder dos homens, com ocorrência em regimes patriarcais. Já em Portugal, estima-se que o fluxo migratório tenha deslocado a prática para o continente europeu. Calcula-se em cerca de seis mil o número de circuncidadas em território lusitano. A maioria delas repudia o ato, inseridas que estão na experiencia cultural europeia.
Acredito ter fornecido informações razoáveis para problematizar a MGF e ações para contê-lo. É papel da ONU, OMS, Anistia Internacional e demais instituições combaterem atividades que inflijam dor, sofrimento e danos a saúde de qualquer cidadão. Ainda mais causando males irreversíveis e provocando dor física incalculável. Porém, a ideia do Direito como prática “universal” encontra infinitas barreiras, de acordo com percepções e contextos presentes principalmente nas inóspitas regiões onde a prática acontece. Devemos observar a complexidade em extinguir um costume tão arraigado em inúmeras comunidades, apoiando-se na observação da extensão de atos e perspectivas diferentes nas ações dos povos e comunidades mundo afora. A própria constituição de leis, decretos, e artigos pode conspurcar supremacia de valores. É uma situação intricada sobrepor meios jurídicos e identidade. O julgamento sobre a prática partindo de nossos princípios, é complicado
Outro fator a ser averiguado, é a própria composição do território africano. O continente é uma costura de nações, com seus idiomas próprios, modos de falar, vestir, saberes tradicionais, rituais, cultos, culinárias e etnias diferenciadas. Porém, a região é percebida muitas vezes como uma dimensão geográfica uniforme, vide denominações como “cultura africana” ou danças, mitos, e costumes ancestrais “vindos da África”. Ou seja, o continente é constantemente situado como um “não-lugar”, quando há 54 países independentes. Mesmo com o auxílio de especialistas nos diversos órgão, atenuando os problemas da realidade africana, ainda existe um olhar complacente que abarca a África como uma unidade cultural regional. Sem contar com as disputas político-militares entre guerrilhas, que conseguem adentrar povoados e aldeamentos rurais, dificultando a penetração de agentes exógenos e causando males, dissoluções de comunidades e desenraizamento de grupos sociais, com custos coletivos muito danosos.
A MGF continuará sendo um axioma, com percepções variadas sobre seu fim, ações a serem tomadas, soberanias a serem respeitadas. Vimos a complexa configuração da prática e as tentativas de combatê-la. Porém, encontrar um sentido de “universalidade” para contenção do ato é a grande questão.
FONTES:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-68852017000100007
https://www.webartigos.com/artigos/antropologia-e-direitos-humanos-a-mutilacao-genital-feminia-em-face-dos-limites-culturais/118003
http://www.rfi.fr/br/geral/20130206-combate-contra-mutilacao-genital-feminina-avanca-dizem-militantes (IMAGEM)