A pandemia vem agravando o quadro da fome no mundo e, se nada for feito, um número imenso de pessoas será levado a óbito por inanição. O Estado possui uma capacidade de organização e sistematização que nenhum outro órgão, entidade ou organização dispõe. Cabe ao aparelho estatal estabelecer meios para que a população dos seus respectivos países não venha a sucumbir diante da fome em um cenário já agravado pela Covid-19.
A Covid-19 é responsável pela morte de um número crescente de pessoas e parte considerável dessas mortes pode ser atribuída à ineficiência de governantes que demoraram a agir. A descrença na mortalidade do vírus levou presidentes de nações, como Itália, EUA e Brasil a uma letargia que custou, e ainda custa, a vida de milhares de pessoas. Contudo, além da pandemia, a fome ameaça se alastrar e levar a óbito rapidamente um grande contingente de pessoas no mundo.
De acordo com o Banco Mundial, entre 40 a 60 milhões de pessoas passarão a fazer parte da população em situação de extrema pobreza (sobrevivendo com menos de U$S 1,90 por dia, menos de R$ 5,00 por dia) em 2020, comparado a 2019, como resultado da Covid-19.[i] Evidentemente que qualquer pessoa pode ser contaminada, mas a população pobre está mais propensa ao vírus devido a vários agravantes que a pobreza traz como a falta de saneamento básico, a escassez de alimentos, a ausência de assistência médica etc.
O aumento da pobreza ocorre simultaneamente a uma crescente onda da fome no mundo. Em relatório publicado antes da pandemia da Covid-19, o World Food Programme (WFP), da ONU, estimou que haviam 135 milhões de pessoas em 55 países que enfrentavam uma fome aguda em decorrência, sobretudo, de conflitos, das mudanças climáticas e das crises econômicas. Estima-se que esse número seja ampliado com o novo coronavírus, atingindo cerca de 265 milhões de pessoas. [ii] O diretor-geral da WFP, David Beasley, em entrevista à emissora britânica de televisão BBC, afirmou que a pandemia pode levar a humanidade ao enfrentamento da fome “de proporções bíblicas em poucos meses”. Ainda segundo ele, 30 milhões ou mais de pessoas podem morrer de fome em alguns meses se a ONU não conseguir mais alimentos e financiamento, que estão cada vez mais difíceis por conta das restrições que os países têm assumido em meio à pandemia.[iii]
A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), estima que haverá para a região uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de -5,3%, a maior da história, só comparável à Crise de 1929 (-5%), quando houve a quebra da bolsa de Nova York.[iv] Com uma estimativa nesse nível de queda do PIB a tendência é que se gere desemprego, o que, juntamente com a pandemia, resultará em um quadro de subnutrição e fome para a população pobre. É um cenário preocupante em que medidas estatais de proteção da população são vitais, principalmente porque nunca houve uma crise como a que se vive: uma crise sanitária que gerou e se vinculou a uma crise econômica, ambas de grandes proporções.
No Brasil, o governo desligou do Programa Bolsa Família cerca de 1,1 milhões de famílias entre maio de 2019 e janeiro de 2020 (pouco antes da crise sanitária), segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Retirar das famílias que estão em situação de extrema pobreza e pobreza um benefício em que a cada R$ 1,00 gasto é gerado R$ 1,78 para a economia brasileira, é uma decisão sem justificativa racional.[v] Por outro lado, o governo se comprometeu em realizar o pagamento de três parcelas do benefício no valor de R$ 600,00 para a população. Duas parcelas já foram pagas de forma bastante conturbada; a terceira e última será paga de 26 a 29 de maio. Mas o que acontecerá nos meses subsequentes ao término dos pagamentos?
Os efeitos danosos desta crise irão perdurar por muito tempo, por muitos anos, e por enquanto ainda não há cura para a Covid-19. Isso significa que a economia funcionará com quarentenas intermitentes, como já vem acontecendo em algumas partes do mundo, com sucesso em algumas, mas com o aumento do contágio em outros lugares. Este desempenho está diretamente relacionado à maneira como o Estado se posicionou desde o início frente à crise. E mesmo quando uma cura for desenvolvida, a economia levará mais um tempo para se reestabelecer. Mas a fome não espera, ela é avassaladora!
Se ao concluir esses três meses o Governo Federal se recusar em dar proteção financeira à população mais vulnerável (que não é um favor, mas uma obrigação do Estado), haverá um acirramento da fome e da morte por inanição no país. Um cenário configurado dessa forma não está isento de uma onda de saques a lojas e supermercados em busca de produtos que possam garantir as condições básicas de sobrevivência das pessoas. Para evitar esse tipo de atitude o Estado deve agir protegendo a população, oferecendo recursos de toda ordem para suprir a fome ou qualquer outro tipo de necessidade. Não fazê-lo é ser responsável por um genocídio.
Link da imagem: https://insight.wfp.org/covid-19-will-almost-double-people-in-acute-hunger-by-end-of-2020-59df0c4a8072
[i] https://www.worldbank.org/en/topic/poverty/overview
[ii] https://insight.wfp.org/covid-19-will-almost-double-people-in-acute-hunger-by-end-of-2020-59df0c4a8072
[iii] https://www.bbc.com/news/world-52373888
[iv] https://nacoesunidas.org/cepal-pandemia-levara-a-maior-contracao-da-atividade-economica-na-historia-da-america-latina-e-caribe/
[v] https://cps.fgv.br/destaques/fgv-social-comenta-os-cortes-no-bolsa-familia-e-o-aumento-da-extrema-pobreza-no-brasil