A vida da mulher preta é atravessada pelo racismo. Desde muito cedo a pessoa negra aprende que existir é sinônimo de resistir, a trajetória de vida ganha outros contornos com mais empecilhos e entraves, isso porque o Brasil foi engendrado por meio da exploração e genocídio de indígenas e negros escravizados.
As estatísticas mostram nitidamente qual é a cor das pessoas que ocupam os subempregos, as penitenciárias, as mortes por bala perdida e, mais recentemente, o coronavírus se mostra uma ameaça muito maior aos cidadãos negros, visto que a cor das pessoas que vivem nas favelas e periferias sem condições básicas de saneamento e higiene, também é preta.
“A carne mais barata do mercado é a carne negra”, denunciou com sua voz potente Elza Soares. Corpos negros são tratados como mercadorias de pouco valor, sem acesso a distribuição de renda e participação nas riquezas, quem consegue vencer a estatística o faz por meio de muitos sacrifícios. É por isso que a vitória de Thelma no BBB (Big Brother Brasil), maior reality show nacional, mostra-se tão emblemática. Sobretudo porque o programa inteiro levantou debates acalorados sobre machismo e racismo. Discussões importantes foram popularizadas em embates nas redes sociais. Babu protagonizou a edição por denunciar diversas expressões do racismo estrutural. As pessoas que ali conviviam sequer problematizavam ou percebiam essas questões antes dele colocar em pauta.
A democracia racial é um mito que denuncia a sutileza do racismo estrutural. Como é difícil para algumas pessoas perceberem as várias faces da discriminação racial, isso porque muitos atos são naturalizados como situações normais, aceitáveis e quando vozes negras problematizam essas questões do cotidiano, logo aparece alguém para chamar de exagero.
Thelma, mulher preta de 35 anos, médica, nascida e criada na periferia, enfrentou muitos obstáculos para conseguir cursar a faculdade de medicina, durante o programa a sua maior marca foi a lealdade e firmeza de posicionamento. Inúmeros comentários racistas foram feitos a ela durante o programa, piadas maldosas sobre a sua aparência, julgamentos pelo seu comportamento e muita torcida contrária a sua vitória. Quando Tiago Leifert falou que Thelma havia vencido o programa o meu coração ficou emocionado. É muito representativo que a minha filha veja uma mulher negra vencendo na vida. É muito emblemático que um programa com uma audiência tão popular entregue o prêmio para uma mulher preta, numa sociedade que hiperssexualiza, violenta e objetifica o corpo dessas mulheres.
Eu não tive o privilégio de assistir, durante a minha infância, nas novelas e comerciais, pessoas pretas ocupando lugar de destaque e prestígio. É com alegria que vejo a minha filha experimentando outro paradigma social. Ainda há muitas vitórias para serem conquistadas, muitos corpos negros precisam experimentar perspectivas melhores, mas, hoje, as minhas palavras exalam o perfume do orgulho, um momento de respiro e contentamento, tão necessário ao meu eu que segue cansado e revoltado com tantas notícias de extermínio da população negra. Respiremos e continuemos sendo resistência!
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