Por Carina Cerqueira*
Mitos podem ser entendidos como imagens simbólicas arquetípicas, oriundos de um sistema histórico, pré-formado, dinâmico e sempre ativo da psique humana, podendo ser transversal ao tempo ou modulado pela passagem dele.
Antes de refletir sobre isso, vamos entender um pouco sobre o que os arquétipos têm a nos ensinar. De acordo com Jung, os arquétipos são tendências instintivas da psique humana, produto de sua história evolutiva que se manifesta a partir de imagens simbólicas, ou seja, a partir de “imagens coletivas”. Ao que Freud chamou de “resíduos arcaicos”, como sendo os elementos que não são individuais e nem podem fazer parte das experiências pessoais, Jung atribuiu aos arquétipos como sendo oriundos do inconsciente coletivo.
A humanidade sempre criou símbolos e a partir deles, mitos. Entre os diversos mitos arquetípicos existentes, culturais e atemporais, está o mito do herói, mito esse que ganha roupagens diferentes e é modulado em razão de um tempo histórico presente.
O mito do herói medieval, aponta para um homem-deus detentor de poderes sobre-humanos capazes de vencer o mal através da guerra. Nesse período, os heróis não passavam por um processo significativo de mudanças interiores, mantiam-se iguais sem alterar sua visão de mundo, por maiores que fossem as batalhas vencidas. O mito “Bozo”, que nada tem de herói, estaria preso nesse tempo? Ou seria ele o bobo da corte? Mas qual corte? A sensação que dá é de um mito, que não é “mito”, dissolvido em uma psique coletiva de sombras dissociadas e reunidas em um Complexo Coletivo chamado “Bozo”. Ele, o “Bozo”, é mais que um bozo, se despersonifica da imagem de um indivíduo e se refaz em um processo de subjetivação retalhada por um aglomerado de psiques doentes.
Ainda sobre os arquétipos, é importante destacar que eles são dotados de iniciativa própria e de uma grande energia específica, que lhes é peculiar, podendo às vezes funcionar como complexos, modificando nossas intenções conscientes de maneira bastante perturbadora. É possível perceber a energia específica de um arquétipo, conforme destaca Jung, quando se tem a oportunidade de observar o fascínio que exercem. Parece um feitiço especial. Assim como os complexos individuais tem sua história pessoal, os complexos sociais de caráter arquetípico têm a sua. É dessa forma que os arquétipos sociais criam mitos, religiões e filosofia que influenciam e caracterizam épocas inteiras.
Complexo social, palavra-chave para definir esse momento? De qual complexo estamos falando? A energia de um complexo se comporta de forma avassaladora quando dissociada da psique humana. Quando não vista, não cuidada e não integrada, pode assumir proporções e manifestações desorganizadoras para toda sociedade. Se uma pessoa tomada por um complexo pode colocar em risco sua integridade física e mental, o que falar de um complexo coletivo constelado a partir da Sombra?
É natural que a aproximação impressentida da morte lança uma sombra sobre o presente, chamada por Jung de adumbratio (sombra antecipadora). Para tanto, o que se percebe no contexto atual é um incentivo à morte. Lamentavelmente presenciamos o espetáculo presidencial de um “bozo puer aeternus”, que passeia de Jet Ski enquanto o país e o mundo atravessam momentos difíceis e delicados em decorrência de uma pandemia. O mito “bozo” promove assombros coletivos e incentiva a população a comportamentos suicidas. Infelizmente estamos sob a governança e a mercê de uma individualidade vazia, pérfida e doente.
* Psicóloga formada na UFBA. Especialista em Avaliação Psicológica. Pós graduanda em Psicologia Investigativa (Unijorge). Perita Nomeada pela TJBA.
Link da imagem: https://opsicologoonline.com.br/as-mascaras-dos-contos-de-fadas/
Bibliografia
O Homem e os seus símbolos. Carl G. Jung...[et al.]; [concepção e organização Carl G.Jung]; tradução de Maria Lúcia Pinho. – 2ºed.especial. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.