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O poder destrutivo da infodemia de fake news da Covid-19 e como combatê-lo

Foto do escritor: Equipe SoteroprosaEquipe Soteroprosa

O excesso de informações falsas e imprecisas sobre a Covid-19 assume a cada instante maiores proporções. Na medida em que há notícias sobre a pandemia, sobretudo de novas mortes, ocorre também uma pressão psíquica sobre a população. Esse processo estimula, junto a outros motivos, a busca por mais informações ao mesmo instante em que novas informações são criadas sobre o vírus, gerando uma infodemia que traz prejuízos para a população.


A infodemia, conforme declara a Organização Mundial de Saúde (OMS), é “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”.[i] Esse excedente de informações reduz a capacidade de decisão das pessoas, e quando essas informações são duvidosas podem ser capazes de afetar a saúde mental dos indivíduos. No entanto, a infodemia de fake news da Covid-19 é ainda mais destrutiva porque representa um risco de vida para as pessoas.


É sabido que notícias falsas há muito fazem parte da história da humanidade, mas a produção de fake news na contemporaneidade possui uma velocidade e alcance em relação a outras épocas, inigualável. As notícias falsas são disseminadas principalmente pelas redes sociais atingindo um contingente amplo de usuários em pouquíssimo tempo. São tantas que se torna complexo distingui-las das notícias verdadeiras. Tal como alertava Montaigne no século XVI: “Se, como a verdade, tivesse a mentira uma só face, eu a poderia ainda admitir, pois bastaria considerar certo o contrário do que dissesse o mentiroso; mas há cem mil maneiras de exprimir o reverso da verdade e o campo de ação da mentira não comporta limites.” (MONTAIGNE, 2004, p. 56). Essa é uma das dificuldades para lidar com as fake news, mas, paradoxalmente, pode ser neste aspecto que resida a sua fraqueza. Nesse sentido, Arendt problematizou uma importante questão.


A fim de explicar o seu raciocínio, ela assume que a verdade se apresenta de duas formas: a verdade racional e a verdade factual. A primeira estaria voltada para a matemática, a ciência e a filosofia; enquanto que a segunda se voltaria para os fatos. Por serem os fatos inflexíveis, mesmo diante de um poder totalitário, eles não poderiam ser substituídos. Apesar de a mentira poder ser múltipla, e se criarem, portanto, muitas mentiras, a verdade factual não muda. E essa é a fraqueza da mentira, de acordo com Arendt.


Seguindo esse raciocínio, a despeito da imensa quantidade de notícias falsas sobre a Covid-19, a verdade factual não pode ser substituída, ela está lá. Mas saber que a verdade factual se encontra em algum lugar na imensidão de fake news não é suficiente para encontrá-la. É preciso de estratégias para combater a infodemia de fake news sobre o novo coronavírus. Foi com esse propósito que a OMS elaborou orientações, como: “Apoie a ciência aberta”; “Verifique se a informação realmente faz sentido, mesmo que seja de uma fonte segura e já tenha sido compartilhada”; “Denuncie os rumores prejudiciais”; “Se a informação não for confirmada, é melhor não compartilhar”; “Confirme se a informação já foi compartilhada antes por outras pessoas”; “Compartilhe informações com responsabilidade”.[ii]


Contudo, se poderia indagar: e se o fato for apenas uma questão de ponto de vista? Se assim o for, poderá haver várias perspectivas sobre um fato, e o fato se torna assim apenas uma versão. As fake news se apoiam nessa lógica relativista. Dificilmente alguém conseguiria refutar que possa haver perspectivas diferentes sobre um fato. Aliás, esse é o princípio das histórias de investigação policial de escritores como Agatha Christie (com o seu detetive Hercule Poirot) e Arthur Conan Doyle (com Sherlock Holmes). Para chegar até a verdade (factual), dentre outras ações, os detetives recolhem os depoimentos de pessoas que possam auxiliar na investigação, ouvindo assim diversos pontos de vista. Mas de toda forma a verdade factual permanece lá, inflexível, necessitando apenas ser revelada.


A revelação da verdade factual na pandemia, isto é, a retirada do véu que encobre os fatos na infodemia de fake news da Covid-19, tem recebido o apoio não apenas de organizações como a OMS, mas também de entidades ligadas à tecnologia da informação, como é o caso do movimento Sleeping Giants que tem o objetivo de “desmonetizar” (enfraquecer a sustentação econômica) sites e canais vinculados à extrema direita que ajudam a disseminar fake news, alertando as empresas que fazem publicidade nessas páginas.[iii]


No decorrer do tempo, ainda que novas notícias falsas e imprecisas acerca da pandemia da Covid-19 (como é o caso brasileiro da hidroxicloroquina) sejam formuladas e disseminadas em uma velocidade alarmante, atingindo um grande número de pessoas, estão se formando, em contrapartida, maneiras para enfrentá-las que vão desde a conscientização do público por parte das organizações internacionais até o desenvolvimento de softwares capazes de identificar sites e canais que propagam fake news, incluindo aquelas relacionadas à pandemia.


Essas medidas visam proteger a população para que não se exponha, tanto frente às consequências psíquicas que o excesso de informações sobre a Covid-19 possa vir a causar quanto pela exposição ao próprio vírus, uma vez que circulam notícias que contestam até mesmo a letalidade ou a existência da Covid-19, levando pessoas a romperem o isolamento social. Essas notícias abalam a verdade, mas como Arendt afirmou: “Conceitualmente, podemos chamar de verdade aquilo que não podemos modificar; metaforicamente, ela é o solo sobre o qual nos colocamos de pé e o céu que se estende acima de nós.” (ARENDT, 2013, p. 325). A verdade sobre a Covid-19 é inflexível e ela representa a segurança da saúde mental e da vida da população.



Referências Bibliográficas


ARENDT, Hannah. “Verdade e política”. In: ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. (Tradução: Mauro W. Barbosa). São Paulo: Perspectiva, 2013. (Debates – 64).


MONTAIGNE, Michel de. “Dos mentirosos”. In: MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. (Tradução: Sérgio Milliet). São Paulo: Nova Cultural, 2004, vol. 1. (Os Pensadores).


Link da imagem: https://domtotal.com/artigo/8811/2020/05/infodemia/



[i] Disponível em: <https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 21/05/2020.


[ii] Idem, ibidem.



[iii] Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-20/movimento-expoe-empresas-do-brasil-que-financiam-via-publicidade-sites-de-extrema-direita-e-que-propagam-noticias-falsas.html>. Acesso em 21/05/2020. De maneira geral, mesmo porque foram produzidas antes da pandemia, obras como “Pós-Verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news”, de Matthew D’Ancona e “A Morte da Verdade: notas sobre a mentira na era Trump”, de Michiko Kakutani, têm contribuído para a compreensão e combate do fenômeno das fake news.


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