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Como você vê um futuro pós-pandemia?

A pandemia da Covid-19 tem despertado o interesse de alguns filósofos que resolveram se arriscar e pensar em um futuro pós-pandemia. As perspectivas são as mais diversas, dentre elas estão as dos filósofos Byung-Chull Han, Slavoj Zizek e Peter Sloderdijk. De que modo essas visões são construídas e em que medida elas contribuem para a construção de um cenário pós-pandemia é o que será analisado a partir de agora.


De antemão é preciso dizer que as perspectivas filosóficas sobre a pandemia da Covid-19 não se encerram na visão desses três filósofos, há muitos outros filósofos (como Giorgio Agamben, Roberto Esposito e Bruno Latour) e filósofas (como Judith Butler, Paola Cavalieri, Angela Davis e Naomi Klein) discutindo essa questão. Mas nesse momento a análise se concentrará nos filósofos inicialmente mencionados.


Byung-Chull Han, filósofo sul-coreano, tem assumido um papel de destaque nas discussões sobre o mundo pós-pandemia. Autor de obras bastante conhecidas no Brasil como “Sociedade do Cansaço”, “Sociedade da Transparência” e a “Agonia de Eros”, Byung-Chull Han entende que a contemporaneidade já não é mais marcada pela “sociedade disciplinar” de Foucault, regida pelas instituições e suas relações de poder (vigilante e punitivo), mas pela “sociedade do desempenho”, na qual os indivíduos exigiriam mais de si mesmos, explorariam a si mesmos, aspecto que consequentemente levou ao aumento da depressão, do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e da Síndrome de Burnout (caracterizado por um esgotamento físico e mental intenso).


Recentemente o filósofo sul-coreano escreveu um artigo para o jornal El País intitulado “O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã”.[i] Nele, Byung-Chull Han afirmou que os países asiáticos, como Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e Cingapura estavam lidando melhor com os desafios da pandemia do que outros países. Segundo ele, isso seria explicado por conta de uma “mentalidade autoritária” que a população desses países teria, proveniente da tradição cultural do Confucionismo. Essa “mentalidade autoritária” teria condicionado as pessoas a aceitarem mais facilmente as imposições das normas do Estado de suas respectivas nações, fazendo com que as regras de restrição e de combate à pandemia implementadas pelo aparelho estatal fossem imediatamente aceitas.


Outro ponto importante para o autor estaria na vigilância digital, esta com grande potencial de configuração em um cenário pós-pandemia. Para Byung-Chull Han o enfrentamento da pandemia nos países asiáticos não se deu apenas por virologistas e epidemiologistas, mas também por especialistas em informática e macrodados. O uso do big data, uma área do conhecimento que desenvolve estudos sobre como lidar com informações a partir de conjuntos de dados gigantescos que as ferramentas tradicionais são incapazes de analisar, foi fundamental. Na China, exemplifica, um cidadão que tenha deixado a Estação de Pequim tem a sua temperatura medida por uma câmera, se porventura sua temperatura estiver elevada, aquelas pessoas que durante o trajeto estavam em assentos próximos a este cidadão recebem imediatamente uma notificação via celular para que tomem medidas de proteção para com sua saúde. Outro exemplo, também aludido pelo filósofo, se refere a um Sistema de Crédito Social criado na China. Através desse sistema de pontos as pessoas são avaliadas quanto a sua conduta, desde atravessar a rua com o sinal vermelho até o pedido de alimentos saudáveis ou não pela Internet. Essas pontuações são levadas em consideração em diversos momentos da vida dos indivíduos, podendo até mesmo chegar, em caso de baixa pontuação, a perda do emprego.[ii] Um futuro imerso na vigilância digital, mais precisamente em um Estado policial digital, expressa a perspectiva de um mundo pós-pandemia para Byung-Chull Han.


Em oposição ao pensamento do filósofo sul-coreano, Slavoj Zizek apresenta uma perspectiva pós-pandêmica otimista. Para o filósofo esloveno mundialmente conhecido e que este ano publicou “Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do Comunismo”, o coronavírus deu um golpe mortal no capitalismo, pois permitiu a criação de outro vírus, o vírus do pensar em uma sociedade alternativa, fundamentada em novas formas de solidariedade e cooperação global.[iii] Segundo Zizek a pandemia conduzirá a uma reinvenção do Comunismo com base na confiança nas pessoas e na ciência. O raciocínio de Zizek parte da observação sobre a maneira pela qual as relações entre as pessoas estão sendo cada vez mais alterada. Redes de solidariedade são construídas e o aporte financeiro tem sido questionado em relação à saúde pública. É por este motivo que ele alude à importância de pensar em um sistema de saúde universal. No futuro pós-pandemia de Slavoj Zizek está a possibilidade de emancipação humana.


Por fim, mas não menos importante, está a perspectiva do filósofo alemão Peter Sloterdijk. Em entrevista por telefone ao jornal El País, Sloterdijk, autor de obras como “Crítica da Razão Cínica”, “Ira e Tempo” e a trilogia “Esferas”, inicia sua conversa afirmando que a pandemia ocasionou um rompimento entre a esfera do cosumo e a produção coletiva de uma atmosfera frívola, ou seja, de uma atmosfera de produção de frivolidades, de coisas inúteis, insignificantes.[iv] Essa ruptura tornou evidente a necessidade de uma visão compartilhada de “imunidade” (segundo ele, essa será a grande questão política e filosófica vindoura).


Dessa forma, como na pandemia a interdependência se tornou evidente, faz-se necessário, afirma o filósofo alemão, a criação de uma Declaração Geral de Dependência Universal (referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos). Em estreito vínculo com esta declaração está a noção norteadora da sociedade pós-pandemia, que substituirá a competição pela imunidade: a “coimunidade”, baseada em aspectos de solidariedade biológica e na coerência social e jurídica, aspecto importante para a proteção das liberdades democráticas. Em um determinado momento da entrevista lhe foi perguntando se as democracias estão em perigo ou se as liberdades serão reabilitadas após o estado de alarme, ao que ele respondeu que isso dependeria do monitoramento do público e da classe política quanto a um retorno das liberdades democráticas. Sloterdijk expõe uma visão pós-pandemia que detém os elementos para a construção de uma sociedade baseada em novos valores, mas que só depende dos membros desta sociedade para que se efetivem.


Como observado cada filósofo apresenta um ponto de vista diferente sobre o futuro pós-pandemia, são tentativas de apreender o real e simbolizá-lo, um exercício intelectual necessário, ainda que incerto, na construção de perspectivas que ofereçam um rumo a seguir, e mais importante, que sinalizam a possibilidade de saída da crise contemporânea.



Referência Bibliográfica



ZIZEK, Slavoj. Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do Comunismo. (Tradutor: Artur Renzo). São Paulo: Boitempo Editorial, 2020.



Link da imagem: https://comunidadesebrae.com.br/blog/qual-o-futuro-do-comercio-pos-pandemia-1




[i] https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html


[ii] Uma sugestão de filme para uma situação semelhante é o episódio “Queda Livre”, do seriado “Black Mirror”, produzido e disponível pela Netflix.


[iii] Essa visão é criticada por Byung-Chull Han, para quem apenas os seres humanos, seres dotados de razão, são capazes de fazer alguma mudança na estrutura da sociedade, e não um vírus, como afirmou Zizek.


[iv] https://brasil.elpais.com/ideas/2020-05-09/peter-sloterdijk-o-regresso-a-frivolidade-nao-vai-ser-facil.html

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