Por Raíssa Xavier*
Em tempos de isolamento, escrevo pra me confortar. E te confortar. A minha montanha russa de emoções pode estar em você também. Mas eu preciso te falar antes de qualquer coisa: tá tudo bem.
Diante da pandemia, foi necessário se reinventar - transformar espaços, exercitar a convivência com os seus e consigo mesmo, mudar a forma de trabalhar, lidar com a distância, com a falta de abraços e saídas com os amigos em um sábado à noite. Ir ao mercado se tornou o evento mais cobiçado da sociedade - com direito a máscara, muito álcool em gel e lavar todos os produtos com muito cuidado ao retornar.
Ocorre que a pressão em ser produtivo aumentou. As lives, reuniões e comemorações surgiram em abundância para preencher o nosso tempo livre. Não é permitido entrar no ócio. Um milhão de possibilidades de aprender tudo que se imaginar: novos idiomas, como cozinhar, corte e costura, yoga, rotina de exercícios físicos, dança, teatro, meditação, etc. Tudo gratuito.
Quem achou que a agenda reservada para o ano de 2020 estaria perdida, se enganou. Foi preciso se programar para conseguir ver tudo que era possível e depois relaxar assistindo um show sertanejo beneficente.
Mas o que acontece se a gente não consegue se enquadrar no perfil ativo e feliz apresentado nas redes sociais? Mais de quatro mil pessoas em uma live de treino funcional e você se questiona: só eu não estou me exercitando? Milhares de pessoas produzindo conteúdo e você se questiona: só eu não tenho vontade de criar nada novo?
Calma.
Você não está sozinho(a). Há pessoas que conseguiram criar rotinas dentro de suas casas ou que já trabalhavam em home office e não sentiram a diferença. Mas todas as pessoas, eu digo todas, sem exceção, acordam, muitas vezes, sem energia, desanimadas, sem força para produzir nada. E tudo bem.
Isso acontece o tempo inteiro. Evidente que o modo “quarentena” nos deixa mais ansiosos, impacientes e questionadores. Porém, ninguém tem obrigação de ser produtivo o tempo inteiro. É preciso começar a ouvir o seu corpo e mente. Nos ouvir é o primeiro passo para nos sentirmos melhor.
Já são mais de cem dias confinados, nem todos conseguiram adaptar-se tão bem a essa nova realidade. É quase surreal escutar a quanto tempo estamos mantendo esse distanciamento, todavia, mais que necessário para a nossa segurança e saúde futura.
Cem dias conectados com outras pessoas por outros meios – internet e televisão. Uma televisão que parece repetir notícias e aumentar os números de mortos diariamente. Informações negativas repetidas deixando-nos mais assustados. Necessário? Sim. Precisamos saber com o que estamos lidando. Mas não podemos vibrar na frequência do medo e ansiedade: é preciso se fortalecer.
Ninguém nunca foi feliz o tempo inteiro. As redes sociais mostram o que é bonito de se ver. Tá tudo bem não estar bem. Acordar cansada de assistir qualquer outra coisa, não conseguir ler nenhum livro, estar desconcentrado para trabalhar, não fazer exercício. Tudo bem.
Há dias que não somos criativos, que o nosso corpo precisa chorar, dormir, gritar. É preciso ouvir as nossas sensações. Deixar que elas venham, escutá-las, senti-las. O que não podemos é lutar contra elas. Não existe perfeição. Se dê o luxo de fazer algo que o seu corpo lhe pede. Se olhe com carinho.
Há algo muito grande mudando no universo, uma força espiritual gigante. Estamos todos sensíveis a esse processo, a natureza está florescendo ainda mais sem a nossa interferência, estamos tendo mais tempo com a gente mesmo. Ninguém disse que seria fácil lidar conosco. Mas é preciso. Chegou a hora de se cuidar. Cuidando de si, você pode cuidar do mundo.
Faça a sua parte. Além de tomar as medidas protetivas essenciais, se escute. Se respeite. Tá tudo bem não estar bem também.
* Atriz baiana e autora do livro 1/4 DE MIM. Participante do projeto Vozes Transeuntes.
Ilustração: Mônica Crema (imagem disponível no instagram @monicarema.art)
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