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Vacinação compulsória e liberdade do cidadão: O direito que não quero

Foto do escritor: Carlos Henrique CardosoCarlos Henrique Cardoso

Na última segunda-feira 31 de agosto, o presidente da República Jair Bolsonaro afirmou, ao ser interpelado por uma apoiadora, que “ninguém é obrigado a tomar a vacina” contra o COVID-19. A mulher em questão, havia dito ao presidente o perigo que seria colocar uma vacina no mercado em tão pouco tempo. Podemos até sustentar que Bolsonaro tenha dito isso na intenção em não provocar discussões ou dar muito crédito a ela, falando algo para que o papo não avançasse. Porém, pra quem chamou a doença de “gripezinha”, desdenhou do contágio provocando aglomerações, não tomou medidas mais duras quanto ao isolamento e fez uma propaganda danada de um determinado remédio como se este fosse o elixir da cura, a frase sobre desobrigação do indivíduo em caso de vacinação segue uma linha de raciocínio (?) típica de quem realmente concorda que, se uma parcela da população decidir não correr aos postos para imunizar-se, tudo bem.


Acontece que o próprio presidente sancionou a lei 13.979/20 que obriga sim a vacinação compulsória, em caso de estado de emergência em relação à pandemia. Isso demonstra que o presidente assina documentos sem saber, sem lembrar, ou - possivelmente – sem entender o que está assinando. Apesar do decreto impetrado, é importante discutirmos: em casos extremos, a vacina deve ser aplicada obrigatoriamente?


Um apanhado histórico: em 1904 ocorreu a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro, quando o governo federal obrigou a população a se imunizar contra a infestação de varíola, uma das principais pestes que atormentavam a cidade. Naquela ocasião, uma elite positivista foi contrária, alegando que isso infringia “a liberdade individual dos cidadãos”. No entanto, um movimento populacional de grande monta reagiu á medida, provocando um levante que destruiu bondes, depredou lampiões de gás, e outros equipamentos públicos. A reação federal foi intensa, com bombardeios que causaram mortes e prisões. Após esse episódio, o governo revogou a obrigatoriedade. É bom recordar que naqueles tempos uma reforma urbana estava em curso, com deslocamentos de populações pobres dos lugares centrais para locais mais distantes. Com isso, houve um aumento do descontentamento, e as manifestações tinham um componente de sublevação, um basta ao projeto de desocupação que ocorria. Estabelecido um contexto para esse acontecimento histórico – com elementos extra sanitários - chama atenção o ataque à “liberdade do cidadão”.


Uma vacinação compulsória avilta a autonomia dos indivíduos? Quando um surto epidemiológico ceifa a vida de centenas de milhares, a palavra “obrigação” nem deve ser problematizada. É uma questão drástica de saúde pública. Acontece que sempre aparece uma turba ruidosa reivindicando o “direito” de não corresponder aos requisitos do Estado. Quem estabelece direito de fazer o que não quer, não reflete sobre o dever de cumprir o necessário. Não há correntes contrárias ao alistamento militar. Nunca vejo grupos exigirem o “direito” de não acatar uma determinação das Forças Armadas. Por quê? Por ser um dever. Ou seja, não há motivos para falar em obrigação, quando o dever já está imposto pelo poder público. Nos coletivos, há sempre avisos indicando que certos assentos são preferenciais para idosos, gestantes, obesos... Podemos nos sentar? Claro. Quando aparecer um portador especial, temos o dever de ceder o lugar. A “liberdade do cidadão” é limitada pelo ato de cidadania.


Quando um sujeito confere a si a responsabilidade de tomar ou não uma vacina, ele considera que deve exercer o “direito” sobre o próprio corpo. Ocorre que a imunização é uma proteção coletiva. Quando uma campanha está em voga, ela é direcionada não ao cidadão, mas a uma comunidade. Imuniza-se uma população, não indivíduos. A autonomia pessoal não entra em questão, pois não existe liberdade em contaminar o próximo, caso o portador do “direito” se contamine e ande por aí em seu “direito” de estar doente em público.


Muita gente, entretanto, vem duvidando da eficácia de uma vacina preparada em tão pouco tempo. Se um produto em teste segue rigorosamente protocolos, comprova eficácia em voluntários, com resultados positivos, o tempo torna-se um detalhe. Desde o início da pandemia, cientistas tem virado noites, em trabalho incessante, para buscar a cura. Situações extraordinárias requerem soluções idem. Um setor da nossa sociedade, todavia, desconfia da política da Organização Mundial de Saúde. Quando a OMS gera mais descrédito que a própria vacina, deixemos pra lá a discussão sobre o “direito” em desacreditar do órgão internacional...


O governo do presidente que considera que ninguém é obrigado a tomar a vacina, já anunciou que está prevista a chegada do primeiro lote da vacina de Oxford – com os experimentos mais avançados até agora – para o mês de dezembro. Até lá, veremos se o ambiente social do país permitirá que o “direito” prevaleça sobre o dever coletivo.


FONTE:


https://noticias.r7.com/brasil/ninguem-pode-ser-obrigado-a-tomar-vacina-afirma-jair-bolsonaro-31082020


https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/revolta-vacina.htm


https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/07/28/1-lote-da-vacina-de-oxford-deve-chegar-em-dezembro-diz-saude.htm







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