O suicídio nunca foi e nem será um assunto banal. Camus já dizia ser o tema mais importante a ser abordado pelos filósofos.[i] No entanto, continua a ser uma questão negligenciada e, em certa medida, chega a ser um tabu falar sobre o suicídio. Foi considerando esses aspectos que em 2018 foram reunidos diversos artigos de Andrew Solomon que deram origem ao livro “Um Crime da Solidão: reflexões sobre o suicídio”.[ii]
Solomon ficou notadamente conhecido por sua obra “O Demônio do Meio-Dia”, na qual realizou uma profunda discussão sobre a presença da depressão na sua vida. Em “Um Crime da Solidão” Solomon, professor de psicologia clínica no Columbia University Medical Center, conferencista e escritor, se volta para a temática do suicídio com a sensibilidade e o conhecimento que lhes são característicos. Os artigos, escritos em momentos diferentes, não estão organizados cronologicamente, mas aparentam seguir uma ordem de afetos escolhida pelo autor.
Em “A um esteta que morreu jovem”, o primeiro dos textos, Solomon revela a sua bela e conturbada amizade com Terry Kirk durante o período de estudos na faculdade. Terry, segundo relata o autor, era um sujeito extrovertido, capaz de contagiar com a sua alegria quem estivesse por perto, era “Impossível ver Terry e não ficar alegre, e às vezes desejávamos que ele se aborrecesse, ou se cansasse, ainda que só por um minuto” (SOLOMON, 2018, p. 14). Terry obteve o ph.D. em História da Arte pela Columbia University e se tornou um notório e respeitado professor desta área. Quando do suicídio de Terry, ocorreu o que normalmente acontece quando se dá esse tipo de tragédia, as pessoas começaram a se perguntar pelos motivos que levaram a esse ato trágico. Mas o fato é que “os indícios dados por Terry de que estava deprimido nos pareceram menores – a todos nós que convivíamos com ele – do que acabou se revelando a depressão que eles denunciavam” (Ibid., p. 25). O comportamento alegre e o sucesso profissional de Terry, vistos aos olhos das outras pessoas, ofuscaram a sua depressão e a dor insuportável que ela lhe causava.
A dor psíquica pode ser silenciosa, mas isso não significa que ela não dê sinais, como no caso de Terry e tantos outros que lamentavelmente puseram fim à própria vida. A falta de ajuda e de vitalidade são fatores que, dentre outros, podem impelir uma pessoa ao suicídio. É o que constata Solomon em “Anthony Bourdain, Kate Spade e as tragédias do suicídio que podem ser evitadas”. Nas palavras do escritor: “O suicídio é resultado de desespero, desamparo, da sensação de ser um fardo para os outros. Pode ser alimentado por uma doença mental ou por circunstâncias da vida, mas quase sempre é resultado das duas coisas” (Ibid., p. 39).
Solomon observa neste artigo o considerável aumento dos suicídios nos EUA e enfatiza o modo de vida do americano como elemento desencadeador para tais atos, desde o uso de drogas até a privação do sono, assim como a ausência de um sistema de saúde adequado para as pessoas ou uma mídia que exacerba notícias degradantes. Todos esses elementos criam um ambiente que, agregado a outros fatores, podem estimular pensamentos e atitudes suicidas.
A análise sobre os pensamentos e atos de morte é estendida por Solomon até nos casos de homicídio-suicídio como os ocorridos na escola primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticut e em Columbine.[iii] Neste texto, denominado “Anatomia de um homicídio-suicídio”, Solomon revela que acompanhou de perto durante 8 anos os pais dos jovens homicidas-suicidas do massacre de Columbine na tentativa de compreender porque os seus filhos fizeram o que fizeram. Mas não obteve resposta para isso. E para aqueles que porventura atribuam a culpa do que aconteceu aos pais dos jovens, Solomon surpreende ao dizer que “passei a ver os Klebold não somente como inocentes, mas também como pessoas admiráveis, éticas, inteligentes e bondosas que eu mesmo gostaria de ter como pais” (Ibid., p. 60). Então o que levou, e ainda leva, jovens a cometerem esses atos trágicos? Aqui o autor sinaliza para a importância do sistema de saúde, especificamente a saúde mental, tão desvalorizada em seu país (e em tantos outros), como instrumento que pode ser aperfeiçoado para melhor avaliar as crianças. Neste momento finaliza dizendo que “Só entendendo por que Adam Lanza desejou morrer entenderemos por que ele matou. Melhor faríamos se estendêssemos o olhar para além do mal que há nesses outros que tantos nos horrorizam e nos concentrássemos na desolação que o provocou” (Ibid., p. 63).[iv]
Se concentrar na causa da desolação significa buscar os motivos pelos quais a psique foi devastada. Assim é possível elaborar meios para, se não impedir, ao menos amenizar essas tragédias. A desolação pode significar o dano causado por uma depressão, compreender a depressão é um desafio e um grave problema da sociedade contemporânea. Solomon sabe disso e oferece o seu ponto de vista pessoal e profissional sobre a depressão e o suicídio, realizando um trabalho notável na sua luta pela valorização da vida atuando como consultor de saúde mental LGBT em Yale.
Nos 9 artigos que compõem esta obra, Solomon expôs a sua experiência com as dores psíquicas, seja as de pessoas próximas, como amigos e familiares, seja as suas próprias. São relatos paradoxalmente tristes e belos (como ele mesmo afirma em uma determinada ocasião, é possível haver beleza na tristeza), reveladores da psique na sua mais profunda e crua humanidade.
Link da imagem:
https://diariodorio.com/marcia-silveira-suicidio-um-tema-incomodo-e-necessario/
Referências Bibliográficas
SOLOMON, Andrew. Um Crime da Solidão: reflexões sobre o suicídio. (Tradução: Berilo Vargas). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
Notas
[i] Cf. CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.
[ii] O título original é “On Suicide” [Sobre o Suicídio].
[iii] Sobre o massacre de Columbine vide “Tiros em Columbine”, ganhador do Oscar de melhor filme documentário de 2002, produzido por Michael Moore. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5Hsy1yt1gpg>.
[iv] Adam Lanza foi o jovem responsável pelo tiroteio na escola primária de Sandy Hook.