top of page

40 ANOS DE AXÉ MUSIC: muita resistência e muito racismo





Em 2025, faz 40 anos que o Axé Music chegou ao mercado musical brasileiro a partir do sucesso da música “Fricote”, composição do álbum “Magia”, lançado por Luiz Caldas, considerado por muitos como o pai do Axé. Essa música revolucionou o cenário musical da Bahia e levou o ritmo para todo o Brasil. Outras bandas foram sendo agregadas ao gênero musical e ganharam os principais programas de auditório do país.


Essa sonoridade baiana agrega vários outros ritmos, como, por exemplo, as bandas de percussão, pagode, salsa, lambada, ijexá e samba-reggae, sendo que, inclusive, muitos deles nasceram em terreiros de religiões de matriz africana ao som de atabaques e outros instrumentos musicais. O termo Axé vem de àṣẹ, palavra em Yorubá, que significa poder, energia e força, palavra muito empregada em terreiros de candomblé.


A música “Fricote” ordena para alguém pegar a nega de cabelo duro que não gosta de pentear. A melodia deixa, na subjetividade, a intenção de “pegar à força” a mulher para passar o batom em um nítido tom racista e machista. Sabemos que aquele tempo era outro, músicas desse tipo eram aceitas e estava “tudo bem” (para alguns). Essa canção não faria sucesso nos dias de hoje e o próprio Luiz Caldas tem essa consciência, uma vez que, em entrevista realizada há alguns anos, ele declarou que essa música já não estava mais no seu repertório por causa do viés racista.


Ao falar em cabelo duro, também lembramos de um clássico do grupo Chiclete com Banana, imortalizado na voz de Bell Marques, que dizia que seu cabelo era assim, cabelo duro de pixaim e que a nega nem precisa nem falar que o seu cabelo duro se parece com você. A expressão “cabelo duro” é considerada racista, afinal, não existe, de fato, cabelo duro ou cabelo mole, são cabelos lisos e cabelos crespos, dentre outros. Chamar o cabelo de duro remete a um racismo na tentativa de depreciar uma característica negra.


“Fricote” cumpriu bem o seu papel e merece ser reverenciada por isso, serviu para agregar outros ritmos e levar o Axé para o Brasil e para o mundo. agora é uma fonte histórica, que serve para entender como pode, naquele tempo, uma música com essa letra fazer tamanho sucesso no estado da Bahia, com a cidade mais negra fora da África. Antigamente, termos como “cabelo duro” e até o próprio racismo explícito eram tolerados e “não dava em nada”. As pessoas que se sentiam constrangidas não tinham voz e nem vez. Atualmente, é inadmissível que o racismo e outros preconceitos continuem a ser perpetuados na sociedade.


Em paralelo, muitas músicas do ritmo também traziam resistência negra e vangloriavam a África, como a banda Reflexus que trouxe o “Canto para o Senegal”, que dizia que a grandeza do negro se deu com esse grito infinito, e “Madagascar Olodum”, que afirma que a rainha Ranavalona é uma majestosa negra soberana da sociedade. A banda Mel falou sobre o apartheid na África do Sul e mandou saudar Nelson Mandela. Celso Bahia falou sobre Bob Marley e Gilberto Gil, chamando-os de dois negrinhos, que um morava lá na Jamaica outro mora no Brasil.


O Olodum, fundado em 1979, portanto seis anos antes da criação do Axé, também é uma banda que traz diversas músicas de resistência e glórias dos afro-brasileiros, como por exemplo, quando canta o hino “Eu falei faraó ó ó, ê faraó". Incontáveis bandas, tal como a Pérola Negra, também chamado de - o mais belo dos belos, como diz Daniela Mercury sobre o Ilê Aiyê, que é a coisa mais linda de ver, além da Timbalada, Araketu, Muzenza, Malê debalê, Cortejo Afro e tantos outros blocos afro. Quem nunca cantou sobre os cabelos trançados de Tutancâmon ou que Salassiê era um rei que gostava de Reggae iô iô, que gostava de Reggae? Márcia Freire na banda Cheiro de Amor fez sua devoção a Iemanjá, falando sobre dois de fevereiro, que é tempo de oferendas para lhe ofertar. Carlinhos Brown, Margareth Menezes e outros artistas falaram de Orixás em suas músicas, como Gerônimo que disse que, nessa cidade, todo mundo é d’Oxum e que a força que mora n’água não faz distinção de cor. Saulo Fernandes define bem Salvador ao chamá-la de território africano.

]

Nesse sentido e diante de toda essa história e pluralidade musical, podemos perceber que o Axé Music é um ritmo muito plural, diverso e heterogêneo que convive com o sagrado e com o profano, com a resistência negra e com o racismo. O racismo ainda se mostra no Axé Music? Sim! Como pode o racismo ainda estar presente nesse ritmo de raízes negras? A resposta é simples! Sabemos que o racismo, enquanto fenômeno social, está em cada canto, em cada esquina desse país, até mesmo nos espaços em que deveria estar ausente ou silenciado. A branquitude com seus privilégios materiais ou simbólicos também ajuda a responder essa questão.


Pois bem, faz alguns anos, a autointitulada nega lôra, Claudia Leitte, converteu-se para alguma religião evangélica neopentecostal e passou a modificar um trecho de uma música, trocando a palavra “Iemanjá” por “Meu rei Yeshua”. Para quem não sabe, Yeshua seria algo como Salvação e é a forma como se chama por Jesus em hebraico, termo utilizado em sua religião. Não tem problema nenhum que ela seja evangélica, eu até tenho pessoas próximas que são evangélicas. O problema está em uma pessoa que fez fortuna cantando o Axé Music relegar as suas origens musicais em detrimento de sua fé cristã. Afinal, foi o Axé que a ajudou a ser a artista que é hoje, um ritmo com base no candomblé e em outras religiões de matriz africana, profundamente ligado à ancestralidade afro-brasileira. Desse modo, retirar o nome de Iemanjá, rainha do mar, da sua música é um epistemicídio, ou seja, uma tentativa de apagamento, de negação. Por isso, pode ser considerado como racismo religioso e intolerância religiosa. Um dos autores da música em questão, Durval Lelys, também famoso cantor de Axé, disse que não deu autorização para a troca das entidades religiosas. O caso rendeu muita polêmica nas redes sociais e imprensa nos últimos meses, aliado ao tom conservador, armamentista e extrema-direitista que “Milk” tem manifestado em suas redes. O caso chegou até o Ministério Público e à Justiça. Vamos acompanhar os desdobramentos.


À medida que o Axé Music foi galgando projeção nacional e internacional, o protagonismo branco, por meio da branquitude, ganhou espaço e muitos empresários e artistas brancos fizeram fortunas com o ritmo baiano a partir da ancestralidade africana, enquanto muitos intelectuais e artistas pretos e pardos continuam, ainda hoje, relegados a posições coadjuvantes nos bastidores.


A cereja do bolo e da branquitude nas comemorações aos 40 anos do Axé veio com um ensaio fotográfico e entrevista protagonizados por Lore Improta, dançarina, vestida de Barbie, com roupa e cenário em cor de rosa e adereços de banana. A entrevista poderia ser com Ivete Sangalo, Márcia Short, Daniela Mercury ou Carlinhos Brown, mas o grupo Globo, o maior conglomerado de comunicação do país, optou pela dançarina vestida de Barbie do Axé. Ela não representa o Axé, as roupas e o cenário não representam o Axé e o grupo Globo e demais envolvidos deram, com isso, uma “verdadeira banana” para a opinião pública. Como pode não ter ninguém sensato entre produtores, fotógrafos, artistas e demais pessoas envolvidas? E olha que Lore tem uma filha parda com o cantor Léo Santana e já deu diversas entrevistas que está se letrando racialmente. Pelo visto, ainda em fase inicial de letramento, depois dessa pedrada.


Branco se você soubesse, o valor que o preto tem, tu tomava banho de piche e ficava preto também, como disse a banda O Rappa, em 1996, ao musicalizar sobre o Ilê Aiyê. Viva os 40 anos de Axé!

 

________________________________________________________________



 

REFERÊNCIAS:

Para saber mais sobre racismo e intolerância religiosa leia os verbetes “Candomblé”, “Intolerância Religiosa”, “Racismo” e “Umbanda” no Dicionário racial: termos afro-brasileiros e afins - volume 1, organizado por Manuel Alves de Sousa Junior e publicado pela editora Appris.

 

MORATELI, Valmir. Os momentos que Claudia Leitte flertou com ‘evitáveis’ polêmicas. Veja - Coluna Veja gente. 23 dez. 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/os-momentos-que-claudia-leitte-flertou-com-evitaveis-polemicas. Acesso em: 23 fev. 2025.

  

TERRA. Relembre 5 polêmicas envolvendo Claudia Leitte. Coluna entretê. 17 set. 2022. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/relembre-5-polemicas-envolvendo-claudia-leitte,7f8ce5f758390f98a22925c55095497epuztfun0.html. Acesso em: 23 fev. 2025

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page