A figura do esquerdo macho já está bastante difunda nos meios progressistas, mas quero propor, neste artigo, uma nova categoria: o esquerdista reaça.
Defino este termo como aquela pessoa que se autodeclara de esquerda, mas que possui atitudes e falas contraditórias com aquilo que ela mesma defende.
Minha definição de esquerda, aqui (sem o rigor conceitual necessário, mas só para a gente se entender na leitura), é ser a favor de uma ruptura com nosso modo de organização social que coloca o direito à propriedade privada acima dos demais direitos.
Se você acredita na necessidade de um arranjo social em que todos tenham acesso e qualidade em moradia, emprego, segurança, educação, alimentação e tudo o mais necessário à reprodução da vida material, e que o capitalismo é incapaz de proporcionar isso de forma generalizada, estamos juntos.
Vejo muita gente que concorda com isso, mas não se atenta à multiplicidade de formas de lutas contra-hegemônicas.
E quem reage contra lutas sociais, seja conscientemente ou por desconhecimento, tem um nome: reacionário.
Por isso, quero trazer provocações para que a gente reflita sobre o que há de reacionário em nós mesmos e demais pessoas ditas progressistas.
Afinal, vivemos e fomos criados em uma cultura liberal e conservadora. Por mais que a gente questione esses valores, há elementos reacionários em maior ou menor grau em todo mundo.
Sem mais delongas, vamos às 5 atitudes reacionárias que algumas pessoas de esquerda frequentemente praticam:
1. Faz chacota das lutas pela diversidade de gênero
Se tem um ponto de contato entre certos progressistas e os mais ferrenhos bolsonaristas é quando os temas LGBTQIAPN+ entram na roda.
O esquerdista reaça não pode ouvir falar em pronome neutro, nome social, novas siglas de identidade de gênero, etc, que pronto: está dada a oportunidade para piadas e chacotas.
Não estou falando que quem seja hétero e cisgênero não possa refletir e questionar sobre o assunto. Tem muito intelectuais sérios falando, por exemplo, sobre a captura liberal dessas pautas e o descolamento dos temas identitários com a luta de classes.
Mas se a crítica do intelectual de esquerda não parte de um lugar de empatia e de um desejo legítimo de contribuir pelo fim das opressões, esteja certo que a crítica não passa de uma LGBTfobia enrustida.
2. Ignora a importância de causas legítimas
Sem se dar ao trabalho de entender do que se trata determinada pautas, o esquerdista reacionário adora criticar ou minimizar qualquer luta contra hegemônica que pode soar como modinha ou fetiche liberal.
Isso vale para várias questões: feminismo, ciclo ativismo, arte ativismo, ativismo climático, veganismo, não monogamia, etc.
Você pode, por exemplo, ser de esquerda e comer carne sem problemas, mas não precisa diminuir a importância de quem assume uma postura política vegana.
Mesmo que os tentáculos do liberalismo se aproprie dessa e outras pautas (e do que o liberalismo não se apropria?), é prudente estudar mais a origem de temas que hoje soam como liberais.
Há disputas internas em diversos movimentos para que eles assumam um caráter popular e contra hegemônico. Não atrapalhe quem luta nessa perspectiva – a direita já faz isso muito bem.
3. Culpa a classe trabalhadora pela situação política do país
Já ouvi falar naquele papo de “o povo tem o que merece. Votou no Bolsonaro, agora aguenta”?
Ora, se o pobre de direita existe, a culpa é do pobre ou da conjuntura alienante – e da intelectualidade que não consegue dialogar com o povo trabalhador?
À medida que o progressista culpa o indivíduo sem considerar que a ideologia liberal reina em todos os espaços, ele se aproxima muito da típica ideia reaça que as escolhas de cada um é puramente questão de caráter.
Nada muito diferente que dizer que o Brasil está do jeito que está porque o brasileiro não presta – bom é o japonês, o inglês, esse povo inteligente. Uma ideia muito semelhante ao “racismo científico” do século XX.
4. Rejeita visões de mundo que não sejam eurocêntricas
Não há quem sofreu mais com o capitalismo que os colonizados, os povos nativos da América, África, Ásia e Oceania. O imperialismo não apenas aniquilou grande parte desses povos, mas destruiu os saberes, a cosmogonia e suas propostas de vida.
Aí vem o cara anticapitalista e acha que a única ciência que existe é a ciência europeia. Que floresta é só mato, que rio é só água, que terra é só chão. Que a família é só relação consanguínea. Que Deus é pai, ou Deus está morto, e por aí vai. Desconsidera a visão do mundo e a resistência dos quilombos, dos terreiros, das aldeias e toda a espiritualidade que sustenta os povos ancestrais.
Acho muito complicado a gente propor outra forma de viver permanecendo com a mente totalmente colonizada pela racionalidade europeia. Até porque é essa mesma racionalidade que sustenta a ideologia dominante.
5. Não acredita na transformação social
O pessimismo muitas vezes parece ser a resposta mais honesta intelectualmente de quem olha o mundo e compreende o abismo civilizatório que a humanidade se encontra.
Mas qual o sentido de ser de esquerda se a gente acredita que não há saída, que o próximo passo histórico do capitalismo é o aniquilamento da espécie humana?
Ao adotar o pessimismo como horizonte político, o progressista está há um passo do cinismo em relação a toda e qualquer luta emancipatória.
Em vez de se aliar, de contribuir para o fortalecimento dos movimentos, de enxergar as contradições e propor reflexões e mediações, ele fica naquele papel de profeta do apocalipse. Acaba sendo um propagandista do fim, apenas.
Por isso, para mim, o esquerdista totalmente capitulado, derrotista, melancólico, também é um reaça, alguém que ajuda a propagar a ideia que o ponto final da humanidade é o capitalismo.
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E você, concorda com que existem atitudes reacionárias em pessoas ditas progressistas? Deixe nos comentários.
Fonte da imagem: Imagem de OpenClipart-Vectors por Pixabay
Estamos juntos Felipe! Penso que falta mais estudo e aprofundamento para a esquerda.
Digo isto por experiência, estudar mais tem me ajudado muito.
Super concordo!
Eu tenho alguma chateação com o eleitorado,portanto,tenho alguma aproximação com o tópico 3. Não tanto a ponto de me considerar isso um ponto reacionário,mas nossa sociedade tem pouquíssima ojeriza por falas medonhas.
Toda pessoa de esquerda que não compreende a ideia de intersecção é meio reacionária e todo identitarista radical tem também lá sua forma de ser reacionário.