top of page

AÇÕES EFETIVAS CONTRA ASSÉDIO EM SALVADOR: ENTREVISTA COM A COMPANHIA ANTIASSÉDIO FLOR DE CACTO



Na cidade que ferve o ano inteiro com festas e eventos, é preciso saber se as mulheres soteropolitanas estão sendo protegidas do assédio ou da importunação, duas ações que já são consideradas crimes no âmbito municipal e federal.


Para saber mais sobre isso, eu entrevistei Clarissa Bezerra Hirs, mulher, mãe, educadora da Rede Municipal de Ensino e AFA e fundadora da Companhia Feminina Antiassédio Flor de Cacto. Desde 2022, ela iniciou esse projeto de educação e política concreta/efetiva de prevenção à violência sexual contra a mulher, trazendo uma nova perspectiva de interação entre homens e mulheres nos espaços de entretenimento de Salvador. Confira!



  1. Como surgiu a Companhia Feminina Flor de Cacto antiassédio e como funciona? Há alguma inspiração de algo que é feito dentro ou fora do país?


Não usamos mais o termo “companhia feminina” porque agora nosso grupo também é formado por homens. Eles são seguranças antiassédio que trabalham com a gente e fazem uma proteção de homem pra mulher. Na farda deles tem escrito: “homem protegendo mulher”, na nossa: “mulher protegendo mulher”.


A Flor de Cacto funciona com ações educativas de prevenção à violência sexual contra à mulher. Trabalhamos na linha de frente do combate ao assédio e à importunação, indo presencialmente em estabelecimentos e eventos para fazer a fiscalização desse espaço para evitar que as mulheres passem por situações de violência sexual.


Não houve nenhuma inspiração de fora ou do Brasil para começarmos o projeto. Começamos em dezembro de 2022 e em janeiro de 2023 aconteceu o caso de Daniel Alves. Foi a partir daí que a Companhia começou a ser conhecida e tivemos que ampliar nossa equipe. No início, era só eu indo todas as sextas e sábados para um estabelecimento onde passei por uma situação de importunação. 

Sem referência nenhuma, eu comecei, fazendo um trabalho muito intuitivo e instintivo, após passar por uma situação de importunação e ficar muito indignada com a naturalização daquilo. 

Quando aconteceu, eu me reportei aos seguranças do estabelecimento e eles disseram: “Ah, isso aqui é normal. É paquera!”. Eu falei: “Não, isso não é paquera!”. Foi aí que comecei a entender como esse tipo de comportamento era naturalizado nesses espaços e veio a ideia de iniciar esse trabalho.


2. Nas redes sociais de vocês há uma necessidade de se explicar sobre o tema assédio e suas leis. Qual a principal diferença entre as leis de assédio e importunação sexual?


É muito importante que a população conheça essas leis! Temos duas leis do assédio, uma no âmbito municipal e outra no federal. A do âmbito federal é de importunação sexual e se trata do assédio dentro do ambiente laboral, quando alguém que ocupa um cargo acima de outro, que é seu subordinado/subordinada, pede favores sexuais em troca de promoção ou a base de ameaças. Tudo o que está descrito como assédio na lei do assédio municipal está também na lei da importunação sexual federal. Logo, as duas tratam das mesmas características de violência.



3. Qual o protocolo de atuação de vocês em um caso de assédio? São apenas abordagens educacionais ou pode se chegar na esfera criminal?


Nosso protocolo é baseado em ações educativas. O nosso trabalho é manter um monitoramento e uma regulação do público para desnaturalizar práticas invasivas e violentas contra a mulher, fazendo a diferenciação do que uma paquera saudável e assédio/importunação.


Quando chega na esfera criminal? Quando uma mulher que passa por uma situação de assédio ou importunação nesses espaços decide denunciar esse sujeito, ou quando esse sujeito comete uma violência em caráter grave, como uma tentativa de estupro, por exemplo. Num caso como esse, a vítima não escolhe se vai denunciar ou não. Na tentativa de estupro, o estabelecimento/evento precisa se posicionar e acionar os órgãos de segurança pública.


Ainda sobre as punições, nós trabalhamos em alinhamento com a equipe de segurança e de produção da casa ou do evento para que, caso as abordagens educativas não sejam suficientes para o comportamento do sujeito que está cometendo assédio/importunação, ele possa ser retirado do lugar. É feita primeiro a abordagem educativa, para que ele se auto regule, mas, caso não entenda, ele é posto para fora.

4. Qual a intenção das empresas ao contratar vocês? Ainda existe muito preconceito sobre a relevância desse tipo de serviço?


Nesses quase 3 anos de Flor de Cacto, a gente se depara com diferentes intenções. Existem empresas que buscam nossos serviços porque, de fato, se preocupam com a segurança das mulheres nos seus espaços/eventos. Isso é nítido pela escuta, pelo interesse em costurar a política de antiassédio dentro da política do estabelecimento/evento.


Mas, também vemos empresas ou empresários que só querem nos contratar pelo marketing, para dizer que tem alguma coisa de proteção às mulheres. Geralmente não fechamos com essas pessoas porque a gente percebe, pela conversa, que nosso trabalho não poderá ser efetivo ali. 

Esse empresário, muitas vezes, não acredita no nosso trabalho, ou ele mesmo é o próprio assediador, então, como ele vai contratar os nossos serviços?

Eu diria que não existe preconceito, mas descaso e despreparo. A gente não conta, por exemplo, com uma segurança pública capacitada para lidar com esse tipo de violência que acontece de uma forma muito sutil e disfarçada dentro dos espaços de entretenimento. Se uma mulher quiser denunciar um sujeito na polícia porque ele pegou no cabelo dela quando ela passou, provavelmente, a polícia não vai atendê-la porque isso não é visto como algo grave e sério. As pessoas não sabem que isso é crime segundo as leis e esses comportamentos ainda são naturalizados.



5. Sabemos que o assédio pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento. No entanto, é possível apontar algumas medidas de segurança importantes que as mulheres podem utilizar?


Diante de um cenário que temos hoje, de um governo e uma segurança pública totalmente despreparados para atender a segurança das mulheres em qualquer espaço, eu acho que uma medida muito importante que as mulheres podem adotar é desenvolver a coragem para estabelecer limites sobre seus corpos e entender a diferença entre paquera e assédio. Muitas mulheres ainda não conseguem fazer essa distinção porque estão inseridas em uma cultura que legitima esse tipo de comportamento.

A Flor de Cacto é uma convocação às mulheres para esse despertar, para que não naturalizem mais, não aceitem mais esse tipo de comportamento e desenvolvam a coragem de dizer “Não!”, quando não quiserem. Nosso trabalho também oferece esse suporte físico e psicológico para essas mulheres, dizendo que elas podem falar “Não”, pois estaremos na retaguarda para ajudar.

E precisamos ter união! Mulher protegendo mulher. A gente não vai deixar de usar roupa curta, de beber, de andar nos lugares porque as pessoas, os homens não sabem lidar com nossa liberdade! Se ainda não há consciência social sobre isso, devemos proteger umas às outras, aprender a dizer não e se conhecer dentro desse processo.


Outra medida importante, é que as mulheres exijam que todos os lugares por onde passam, sejam adotadas medidas concretas e efetivas de prevenção ao assédio e à importunação. A gente não quer contenção de danos. Para que isso não aconteça, os espaços precisam estar sendo monitorados com pessoas treinadas, capacitadas, para lidar e prevenir essas situações. Depois que a mulher passa por isso, não tem mais volta. Existem casos de mulheres que tentam suicídio porque passaram por situações de violência caladas, por vergonha de falar. Não adiantam campanhas ou propagandas se não temos ações concretas que garantam, minimamente, que essas mulheres estejam protegidas e assistidas dentro desses espaços.




Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page