
Sentimos uma certa pressão e autocobrança em fazer o social, nos forçando a estar em contato com pessoas e vivermos em constante movimento, atividade e diálogo. A exigência de uma extrema necessidade de nos comunicarmos, seja pessoalmente ou virtualmente, parece cada vez mais intensa. Mesmo nas férias acabamos “trabalhando” mais que em dias comuns. Estamos sempre rodeados de pessoas nesse nosso mundo moderno que nos exigem respostas cada vez mais imediatas: vizinhos, familiares, parentes, colegas de trabalho e de estudo, amantes, amigos, etc., criando o desconforto da obrigatoriedade de nos comunicar nem que seja o mínimo possível.
Durante a pandemia e após esta, cujas consequências ainda não conseguimos medir, passamos por um sentimento de autocobrança de nos “conectar” com o outro ainda mais forte. Conhecemos inúmeros discursos sobre como este contato é imprescindível para nossa saúde mental, tal como atos de conversar, abraçar, ir à festas, compartilhar do suor, do riso e do barulho. A situação pós pandemia, portanto, se tornou pior, se revelando pela ânsia e pela necessidade de barulho, contato e agitação, seja em festas, reuniões ou nas ruas. Ademais, a própria literatura exalta o sentido da vida ligada às conexões e vínculos humanos e de quanto a vida não tem sentido sem tocarmos o coração de alguém. Portanto, toda experiência de conexão humana se torna imprescindível, até mesmo, obrigatória, concluindo que a importância da vida está intrinsecamente vinculada à presença desse “outro”.
Mediante este mundo tecnológico e virtual, onde realmente não estamos, nem ficamos mais sozinhos, pois qualquer indivíduo pode te acessar por mensagem, vídeo e imagens, continuamos e talvez, exacerbamos a importância do contato social ainda mais reforçado no quesito “presencial”. Passamos pela pandemia e ansiamos o fim dos “virtuais” acreditando que nada tenha mudado nessa transição que me lembra bastante um túnel do tempo. A sensação é de que entramos em um tubo do tempo, onde este esteve parado, até sairmos uma nova realidade da qual não fazemos ideia de como seja, achando que continuamos no mesmo estado. Embora esta “saída” deixe perceptível inúmeras fissuras internas e externas, parecemos ignorá-las acreditando que nossa melancólica realidade permanece intacta, imóvel e estável, em busca de retornar a um estado que já não existe mais. Quem são, de fato, essas pessoas de 2018? Serão mesmo as mesmas de 2022? Não somente as pessoas mudaram como tudo ao seu redor, porém, mantemos o véu, cobrimos o sol com a peneira e fingimos a imutabilidade das coisas.
Não sei se exacerbar presença, viver a cobrança da socialização e a busca incessante por se vincular seria assim tão saudável, sairmos de extremos, como foi a pressão do isolamento, gera certos baques agressivos, afinal conhecemos bem a consequência de se frear abruptamente um carro quando estamos a 100km/h. Acredito que buscar desenfreadamente, em uma ânsia por preenchimento do vazio, festas, lugares tumultuosos, barulho, suor e peles, seja apenas uma outra polaridade da pressão do distanciamento. Portanto esta pressão é tão social quanto interna, o fato de gostarmos tanto do silêncio e do vazio parece ternos assustado a ponto de nos cobrarmos intensamente e constantemente pela agitação, verborragia e barulho, ou seja, essa necessidade desregulada de se comunicar, de dar satisfações, de responder à perguntas triviais no WhatsApp, de expor nossas atividades constantes rotineiras e fazer o social. Festas, mais festas, mais encontros e saídas na busca de compensar os espaços vazios da era da pandemia, em que ainda estamos, mas nos parece uma realidade longínqua.
Me questiono se talvez quem tenha saído do túnel da pandemia mais consciente tenha começado a perceber tal pressão e o quão desconfortável ela está sendo. Talvez tenhamos descoberto que nós, brasileiros ou baianos, vivemos assim, buscando comprovar a teoria de que somos um povo festeiro, alegre, social, que está sempre em movimento, fazendo juz aos carnavais que ainda não voltaram oficialmente, ou talvez tenhamos percebido que a alegria do barulho seja apenas uma ditadura.
Estarmos em constante movimento, seja físico, da fala ou esforço social é cansativo e exaustivo. Às vezes o que dá prazer e o que acalma é ficar em silêncio, se trancar em casa ou no quarto e fazer coisas não sociáveis, ou seja, não ter que conversar por um, dois, ou vários dias consecutivos, nem responder às mensagens de WhatsApp seja elas quais forem. Talvez nossa verdadeira alegria seja viajar para onde não há humanos ou lugares cuja quantidade destes seja muito pequena. Estar em sociedade e viver nela exige muito esforço, disposição e constante empatia, por vezes só precisamos descansar. Conviver com alteridades cuja religião, cultura e comportamento são tão diversos, onde o conceito de respeito e de limite é praticamente inexistente, onde a liberdade não é validada, exige demais, é necessários o tempo e o espaço, é imprescindível a pausa e o distanciamento.
Acredito que estamos vivendo um período sob a égide da ditadura do barulho, onde somos forçados inconscientemente e socialmente a compensar o que foi reprimido durante a pandemia seja no modo virtual ou presencial e esta exacerbação pode ser apenas um sintoma de doença ou a busca desta, pois de vez em quando só o que queremos é o farfalhar das folhas nas árvores, uma música da qual você escolha, ou o silêncio da natureza, onde não há vozes, nem presenças humanas. Seria isto solidão?
A solidão é quando tudo aperta e se torna insuportável. Solidão é quando estar consigo mesmo não faz bem, não acalma, não gera prazer. Solidão é quando somos forçados a recuar quando tudo o que queremos é avançar. É querer sair, socializar, ter contatos sociais, mas nos é imposto o isolamento. Solidão também é estar entre muitos e não se conectar com ninguém, é ter uma ferida aberta chamando sua atenção para o cuidado. A solidão também é sentir muita falta de apenas uma pessoa, um processo de luto do qual é difícil sair. A solitude é diferente, independentemente de você se sentir triste ou alegre apenas consigo, isso pode ocorrer, afinal o mesmo acontece nos momentos sociais ou de intensa conexão afetiva.
Solitude é um sentimento e uma prática saudável, é recuar diante da pressão, descansar das práticas sociais, se conectar com você, de várias formas possíveis. Por que temos tanto medo de ficarmos sozinhos? Será que não vivemos uma auto cobrança e medo irracional do que nem experimentamos? Muitas pessoas que ficam sozinhas em suas casas ou afastadas do convívio social frequente, sempre testemunham experiências benéficas, embora isto não signifique estar sempre bem, existem momentos ruins, porém estes não determinam a negação deste estado e não se torna motivo para buscar fugir vivendo o ópio e a fuga nas relações sociais. A pandemia deveria ter nos ensinado, mas parece que quando não estamos prontos para aprender certas lições não adianta nos darem até as respostas das questões que fazemos.
Estar bem ou não acontece a todo instante, mas as pessoas nos distraem e esquecemos por alguns momentos, porém esquecer talvez não seja o melhor modo de lidar com isso. Estar sozinho ou estar com o outro não apaga as imperfeições. Se relacionarmos socialmente não é sempre confortável, pois então a auto relação também não o será.
Acredito que precisamos negar a pressão social e a autocobrança de estarmos constantemente em contato humano, apesar dos danos pandêmicos. É muito benéfico ficar o dia todo com seu pet, contemplar a natureza em silêncio, observar o movimento natural das pessoas sem precisar interagir com elas, ouvir uma música e escrever, ler e relaxar ou talvez apenas ficar com seus próprios pensamentos ou até mesmo dormir. Acredito que precisamos urgentemente desses momentos, de não “ter que” responder, falar, enviar mensagem, sair, conviver, “barulhar”. Tirar dias nas férias onde não precisemos estar entre amigos, parentes, parceiros amorosos ou pessoas estranhas nem na ânsia de aproveitá-la viajando, postando fotos e “curtindo” nas desesperadas festas. Curtir é também ficar sozinho, fazer o que dá vontade ou não fazer nada específico, sair para comer ou beber algo apenas na sua companhia, apreciando aquele momento, sem se distrair de si, sem ter que ser forçado ao movimento ou ao diálogo.
Pode ser que isto seja simplesmente assustador, tão desesperadamente perturbador que não queremos nem experimentar ou a experiência forçada na pandemia tenha nos causado tanto pavor. Provavelmente no início pode ser difícil, afinal estamos num hábito compulsivo pelo movimento social, de interação, que ficarmos sem ele por escolha parece entediante e exasperante.
No entanto, fazer uso da solitude é importante e talvez você descubra que é um ser mais anti social e introspectivo do que parece ser, e que ser assim, é normal e está tudo bem. Talvez você perceba que goste de estar consigo mesmo e do silêncio, mas prefira o barulho, e está tudo bem também. O importante é você parar de agir e sentir coisas de forma compulsiva e cegamente, experimentar outros lugares e perceber qual deles combina mais contigo, pois não temos nem tempo de se conhecer, no redemoinho das agitações cotidianas, nas invasões humanas em sua casa, no celular, na sua vida, na obrigação do convívio social e na carência alheia. Talvez você descubra que gosta muito de ficar sozinho ou sozinha e mude seu jeito de ser, dando limites às cobranças, ignorando as carências e preocupações alheias, descobrindo quem você realmente é o que te faz realmente bem.
Descubra como seguir o seu fluxo e apenas o seu, afinal, vivemos em um mundo em que pessoas ditam regras e determinam as práticas que são saudáveis e a maneira padrão de ser feliz, indicando modos humanos funcionais. Seguimos padrões como se não fossemos intrinsecamente únicos e diversos cujo padrão é individual, assume o risco de descobri-lo. Não é porque banana faz bem à saúde que você precisa comê-la, existem muitas outras frutas que podem te proporcionar os mesmos nutrientes, outros sabores e prazeres, descubra o seu ao invés de seguir receitas, nem todas vão te agradar, mas o pior é seguir o mundo como cordeiro, caindo em abismos sem saber o motivo do sacrifício. Cada ser tem sua especificidade e, portanto, é de sua autorresponsabilidade descobrir a cama que lhe cabe, seguindo as orientações de seu peso, altura e estrutura óssea. Ademais, esteja pronto para aceitar a mudança, pode ser que de ontem para hoje você não seja mais o mesmo, seja democrático e não ditador, afinal as regras da natureza já determinam a mutabilidade eterna das coisas.
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Pri, me conecto com sua fala, mas em um outro parâmetro. A vida de uma pessoa que viveu em depressão e quer voltar a se socializar aos poucos. É um conflito imenso porque as pessoas acham que se você "saiu da toca" agora está tudo bem! E é pior ainda ter que avisar as pessoas que vc ainda precisa estabelecer seu limite de sociabilidade sei que o outro ache que você não gosta mais dele... Enfim, nessa hora também a gente descobre quem realmente quer se conectar conosco.