Olá, pessoal, este é meu primeiro texto de 2023. Semana passada estive discutindo em um grupo de estudos sobre Democracia. Falamos de um livro que é muito importante no campo das ciências sociais, Capitalismo, Socialismo e Democracia, do autor austríaco Joseph Schumpeter, publicado em 1942. Eu fiquei responsável pelo capítulo A Doutrina Clássica da Democracia. Explanarei para os(as) leitores alguns pontos importantes.
Nosso autor começa tecendo algumas críticas sobre o conceito de democracia forjado na modernidade, a partir do século XVIII. Qual? De que a democracia é um método de decisão para o bem comum. Mas o que seria esse tal de “bem comum”? Ele existe? De onde veio? Bem, segundo Schumpeter o conceito é mais uma abstração sobre princípios que seriam comuns a todos. Ele faz críticas. A primeira é de que o tal bem comum pode significar várias coisas; segundo, mesmo havendo consenso em algum ponto comum, as respostas ou instrumentos na resolução de problemas seriam diferentes. Humanos têm olhares e perspectivas díspares sobre o mundo.
E há uma “vontade comum do povo”, ou “vontade geral”, leitor(a)? A resposta parece clara: não, pois bem comum é uma prescrição criativa que não condiz com a realidade.
Em seguida, o nosso pensador questiona uma visão, muito vulgar entre autores e correntes progressistas, que é sobre o indivíduo. Este é soberano? Independente? Extremamente racional? A resposta é: não, também! A maioria das pessoas, o tal cidadão mediano, não é fadado a fazer inferências lógicas o tempo todo. Não é assim que funciona. E voltando para o ponto da democracia, o pressuposto iluminista e liberal é de que todo indivíduo sabe exatamente as deficiências que afligem a todos, e que, em algum momento, chegarão, inevitavelmente, a um ponto ótimo, comum, sobre todos os assuntos. Em outros temos, já que todos são super capazes de compreender exatamente os flagelos sociais, econômicos e políticos, os representantes políticos escolhidos, que falam por nós, chegarão nas causas e nas soluções perfeitas para resolução de problemas. E isso é falso.
Em mais um degrau, chegamos a um ponto importante do capítulo. Elementos irracionais ou subconscientes são muito mais comuns à nossa vivência cotidiana do que as decisões conscientes, deliberadas. O autor recorre à psicologia social, a exemplo de Gustave Le Bon.
De maneira geral, a vida em grupo, ou o compartilhamento de experiências coletivas, pode nos levar a ações e comportamentos primários, afastados de uma reflexão sobre a realidade. Quando estamos, por exemplo, em redes sociais que sempre compartilham um mesmo viés ou conteúdo, a gente acaba, inocentemente, acreditando e reforçando nossas crenças, reduzido a um baixíssimo senso crítico. Tal como uma criança em seus primeiros anos, adultos são muito mais propensos a ações afetivas do que deliberadas.
Vamos ao mercado e ver que somos pouco reflexivos. Quantas vezes somos seduzidos e persuadidos a propagandas que nos induzem a consumir coisas sem necessidade? E por que adotamos uma marca e não outra? Por que algumas marcas ficam cravadas no subconsciente enquanto outras não? Não seria porque existe algo elaborado, técnicas de repetição utilizadas para nos induzir a escolhas?
Claro que com o tempo você e eu podemos começar a entender a lógica das coisas ao redor, reconhece nosso autor. Mas isso demora. No curto prazo, somos extremamente propensos a agir de forma irracional.
Mas vamos para o longo prazo. O que realmente temos conhecimento e dominamos, entendemos melhor, numa experiência frequente? Nosso cotidiano, a saber, escola, faculdade, trabalho, família, amizades. Somos mais espertos e inteligentes naquilo que temos proximidade. Nosso senso de responsabilidade é infinitamente maior nas coisas diárias do que sobre política. Ou não é verdade? Falando de política, a exemplo de como funciona um trâmite de um projeto de lei, o que seria um decreto, o prazo de execução etc., temos um senso de realidade extremamente baixo. Somos mais responsáveis, repito, sobre aquilo que temos contato diariamente, na rotina e experiência prolongada. De resto, temos noções muito vulgares sobre esses temas, porque não respiramos diariamente a política, como fazem sindicalistas, membros de movimentos sociais, jornalistas e cientistas sociais e políticos, ativistas, partidos e representantes eleitos.
Portanto, o cidadão médio, independente de sua classe, quando trata de questões voltadas para assuntos fora do seu alcance é condenado a reproduzir barbárie intelectual, e isso não é diferente na área da política.
E há problemas nisso também para a Democracia. Vejamos. Uma população que não entende e não se engaja diariamente na esfera pública política, pode ser enganado por grupos que propagam informações distorcidas, ou seletivas, muitas vezes por interesses escusos, com o objetivo de plasmar uma vontade, fabricar uma vontade para fins políticos e eleitoreiros. E isso, com a internet e as bolhas virtuais não é tão difícil. Por que isso funciona? Porque as pessoas, em geral, acolhem informações que coincidem com ideias concebidas, enraizadas, crenças bem estabelecidas. Por isso que, muitas vezes, assuntos com teor muito técnico e imparcial são improdutivos à luz das pessoas com suas concepções bem aterradas.
Numa sociedade menor, em comunidades políticas, as pessoas podem ser mais participativas, e a longo prazo tendem a compreender melhor os problemas gerais. As experiências testadas ao longo do tempo criam uma maturidade intelectual coletiva, ou uma psique mais experimentada. Mas pense nisso em Estados-nação, como a que vivemos? Parece complicado, não acham?
Schumpeter encerra com outras críticas, ao que ele chama de racionalismo utilitarista. Primeiro, diz que é essa visão é um substituto da cristandade: a voz do povo substitui a voz de Deus; segundo, a igualdade dos indivíduos perante a Deus trazidas por Jesus foi substituída pela igualdade dos homens perante a Constituição, o que nos remete aos direitos naturais dos indivíduos. A Democracia seria, então uma espécie de evangelho da razão, um guia para um inequívoco progresso da humanidade. Por fim, demagogos adoram usar termos como Democracia para esmagar adversários políticos em nome de uma suposta vontade do povo.
Então, o autor nos indica ver a democracia como um método político para escolha de elites políticas, em que todos podem votar tranquilamente escolhendo as melhores opções, o que mais convém, ao gosto do freguês, tal como ocorre na esfera das trocas econômicas. E, logicamente, vimos que o que mais convém a mim não é igual ao que convém a você, leitor.
Cito apenas uma crítica ao autor, apesar de haver tantas outras, de que ele não tem muito interesse sobre a cultura política das pessoas, os chamados valores democráticos. O risco grande é de que uma sociedade que tem baixa cultura democrática pode acabar elegendo políticos com posturas extremamente autoritárias e disruptivas, ou elites outsiders com raro conhecimento sobre política e respeito às regras do jogo. Sabemos que isso pode ser o início da ruína da própria democracia. Ao colocar mais peso sobre as elites políticas, e sua qualificação como representantes legítimos, incorre-se também no risco de que essas mesmas elites trabalhem contra a liberdade e igualdade dos cidadãos, e contra a defesa das vozes minoritárias, ou mesmo afrontando a independência e autonomia dos Poderes constituídos da República.
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Referência. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo , Socialismo e Democracia. São Paulo: Editora da Unesp, 2017.
guri, estava pensando nisso hj! Fui responder uma pesquisa sobre máquina de lavar e percebi que ao comprá-la eu não levei em consideração muita coisa. Fui bem mediana e pensei quantos temas relevantes eu não tenho tempo para me aprofundar e participar como cidadã dentro de uma democracia. Mas, os estudiosos tem pensado em outras alternativas? Já ouvi falar sobre focar mais em micropoderes dentro dos países democráticos.