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Foto do escritorKarla Fontoura

A MALDADE HUMANA É MASCULINA



Pense em uma pessoa que rouba. Pense em uma pessoa que mata. Pense em uma pessoa corrupta. Por que você pensou em homens? Porque a maldade humana é masculina.


Pode manter os ânimos bem calmos. Esse texto não é uma escrita anti-homens. As perguntas que eu trouxe apenas revelam que enquanto discutimos os estereótipos de gênero para as mulheres em serem boazinhas, serenas e calmas, o outro lado da moeda foi deixado para os homens. E, infelizmente, essa condição não se trata apenas de um discurso social. As principais questões relacionadas à maldade humana estão vinculadas a homens.


Essa associação possui uma relação direta com as prerrogativas de violência e poder que circulam na atmosfera masculina, tornando-se uma condição pré-estabelecida para se “provar homem”. Vou deixar a pesquisadora Valeska Zanello explicar melhor essa ideia com um trecho de seu livro, “Saúde Mental, Gênero e Dispositivos: Cultura e Processos de Subjetivação”:


“Um dos fatores fundamentais, apontados por Kimmel (2016), mas também por outros autores (Badinter, 1992; Bourdieu, 1998; Connell, 2005; Welzer-lang, 2008), é a necessidade constante de a masculinidade ser provada perante outros homens. O teste principal, e primeiro, é a prova da antifeminilidade, ou seja, “não ser uma mulherzinha”259, o que denominamos, aqui, de misoginia. As mulheres devem ser desejadas, mas nunca se deve desejar ser igual a elas . Badinter (1992) sublinha, nesse sentido, que ser homem, em nossa cultura, é uma construção que ocorre no imperativo e no negativo. “Seja homem!” (“Não seja como as mulheres!”) é uma frase comumente proferida aos meninos e aponta que a virilidade não seria algo “natural”, mas construída o tempo todo como a negação daquilo que é considerado como “feminino”. A virilidade, que confirma a masculinidade, deve ser, portanto, provada, construída, “fabricada”: “Dever, provas, competições, essas palavras dizem que há uma verdadeira tarefa a realizar para vir a ser um homem” (Badinter, 1992, p. 15).” (p. 222)

Com isso, temos números absurdos relacionados a violência, roubo e corrupção em relação a população masculina. Eles são os que mais usam armas de fogo e se envolvem em acidentes de trânsito, além de se exporem bastante a comportamentos de risco, como o uso abusivo de drogas e álcool. É evidente, pelas pesquisas sobre o assunto, que a parcela que mais se envolve são jovens, dentro da faixa etária de 20 a 24 anos, o que pesa ainda mais a questão da masculinidade ser algo que exige prova, tal como um portal do menino adolescente para a vida de um homem adulto.


A relação entre maldade e homens é uma forma de chamar a sua atenção a essa discussão social, pontuando que a construção de gênero cria danos também aos privilegiados da dinâmica de poder patriarcal. Tanto que, a ideia de conversar sobre o assunto surgiu após eu analisar discussões sobre transgêneros homens e mulheres terem a possibilidade de utilizar o banheiro de acordo como a pessoa se identifica. Um dos grandes medos dos que são contra a proposta é algo, no mínimo, instigante.


Eles alegam que temem que homens mal intencionados se vistam de mulheres e, adentrar o banheiro feminino, se aproveitam de quem esteja no local, causando situações de assédio, abuso e até estupro. Ou seja, as pessoas temem os homens porque existe uma correlação direta entre atos violentos e eles. Eu mesma experimentei isso quando deixei meu filho de nove anos, por duas vezes, ir sozinho ao banheiro masculino porque o mesmo me pediu. Eu fiquei na porta do local, atenta. Duas pessoas me questionaram porque aceitei fazer aquilo, que estava colocando o meu filho em uma situação de risco. E quem me alertou isso foram homens! A maldade humana contra crianças e mulheres é apenas masculina, segundo o senso comum.


Puxando o gancho da discussão sobre transgêneros e o uso de banheiros, posso rebater as preocupações apresentadas com o argumento básico de que a violência masculina não precisa “se disfarçar de mulher” para chegar até elas. Uma breve pesquisa na internet e rapidamente podemos encontrar casos de estupros de todo tipo e forma, com homens sem qualquer disfarce para cometer o crime. Veja algumas manchetes de portal de notícias que selecionei:


“Vítima afirma ter sido estuprada por juiz e professor de SP”
“Mulher estuprada por policial em sala para vítimas de estupro”
“Os revoltantes casos de abuso sexual contra mulheres em coma ou estado vegetativo”
“Relatos de assédio e até estupro por taxistas ou motoristas de aplicativos se multiplicam”
“'É tortura’, diz Debora Diniz sobre caso de estupro durante cesárea no Rio”
“Polícia indicia dois pastores por crimes sexuais contra membros de igreja evangélica em Sergipe”

Eram pessoas de convivência recorrente, ou que prestavam serviços pagos, ou responsáveis por cuidar da saúde, ou relacionados à religião e com apenas uma semelhança: eram homens sem qualquer estratégia de disfarce. Tomados pela prerrogativa de se “provarem homens”, eles acatam comportamentos de violência e assim se tornam aqueles que carregam a maldade humana em sua inteireza. Em tal lugar, será que não seria urgente os mesmos acordarem para essa realidade e encontrarem na discussão de gênero uma forma de se libertarem desse lugar? O que os homens estão esperando?


FONTE:


ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, 2020.










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댓글 2개

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carlosobsbahia
carlosobsbahia
2023년 9월 29일

Temos que admitir quanto ao título e conteúdo do texto:fato!

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
2023년 9월 28일
별점 5점 중 5점을 주었습니다.

Ótimo texto. Como sempre, gosto da sua escrita. Ótimos exemplos, ótima costura e ótimo choque rs. Tenho só dois comentários. Eu não associaria diretamente maldade com gênero. Os casos trazidos por você são de violência, até mesmo explicitas, casos criminosos. São crimes, inclusive associados aos "homens", embora também possam ser interpretados em termos éticos. Mas a maldade não pode ser confundida com crime e sua lógica jurídica, principalmente quando é institucionalizada, sutil. Várias formas de dominação, atravessando todos os registros identitários, assim como a do próprio capitalismo, por exemplo, podem ser vistas como maldade, desiguais e até violentas mas não como um crime (são categorias diferentes). Ou seja, eu diria, talvez, seguindo o seu argumento, que nos casos explícitos de…

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