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A obrigação do Cientista Social hoje e sempre


O texto de hoje é uma breve resenha do livro Ofício de Sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia, de Pierre Bourdieu et al (2015), especificamente a primeira parte: A ruptura. Ao fim, uma breve consideração final.


O fato, caracterizado pelo olhar da ciência, deve ser conquistado contra a ilusão do saber imediato.


A Epistemologia: Epistem – vem do grego e significa conhecimento e Logos – razão/lógica. Na pesquisa científica, podemos entender epistemologia como um processo de produção do conhecimento.


Já a vigilância epistemológica, colocada pelos autores na introdução, é a observação constante sobre um conjunto de proposições a respeito do que se quer estudar e como se deve pesquisar em todas as etapas do trato com o objeto. Como buscamos compreender a realidade? Estamos dentro dos limites aceitos pela ciência? Estamos separando o discurso científico do senso comum? A vigilância é um exercício constante que evita a contaminação da noção pela prenoção - em essência artificial e superficial.


Prenoções e técnicas de ruptura.


O saber imediato (noções comuns e artificiais) é uma ilusão. As opiniões primeiras sobre os fatos sociais apresentam-se como uma coletânea falsamente sistematizada de julgamentos imprecisos. O pensamento do senso comum é totalizante e simplista, coerente somente para quem se apoia no dado imediato. O saber científico, pelo contrário, fragmenta a aparência dessa realidade totalizante.


A ruptura científica é o ato de transgredir relações aparentes, que são familiares ao indivíduo, para fazer surgir o novo sistema de relações entre os elementos, no caso sociais, que atravessa a vida dos sujeitos.


Como técnica de ruptura, pensamos, por exemplo, no uso da estatística, um bom método para desconcertar as impressões primeiras, pois ela retira um certo véu de verdades imediatas. A estatística, portanto, ajuda a desmascarar estereótipos e generalizações apressadas.


A ilusão da transparência e o princípio da não consciência.


Deve-se considerar o estudo da teoria do conhecimento do social – conjunto de princípios explicativos e condição de possibilidade – para fazer ciência social. A sociologia deve vencer a sociologia espontânea (permeada de pretensões sistemáticas do real com linguagem erudita). A sociologia deve romper o selo ilusória da transparência - o dado imediato não revela relações mais complexas, as causas profundas que escapam à consciência individual.


Princípio da não consciência. A consciência dos atores não é condição suficiente para explicar suas próprias ações. Logo, o principio da não consciência significa que as ações individuais só adquirem sentido quando referida à estrutura das conexões sociais.


É um equívoco quando o sociólogo não separa as suas motivações pessoais, familiares, do objeto a ser estudado, e faz da pesquisa um suporte para reforçar as suas próprias convicções vividas. Isto caracteriza um senso comum erudito que veste a roupa de cientista. Devemos estar abertos a sermos surpreendidos pelo campo, pela pesquisa. Ou seja, devemos esperar que as hipóteses de trabalho contrariem as nossas expectativas.


As conexões sociais não podem ser reduzidas à representação que os sujeitos – cientistas ou não – têm delas e acreditam. É um grave erro! Deve-se considerar, na sociologia, o sistema de relações objetivas, nas quais os sujeitos se encontram inseridas. A impressão do sujeito sobre o real não explica, reitero, interações mais complexas e objetivas.


Natureza e Cultura


Termos como natureza humana, tendências, propensões, inclinações, necessidades são complicadíssimas para se utilizar hoje em dia na sociologia. Estas qualificações são dadas como naturais e eternas, independentemente das condições sócio históricas e culturais. O social deve ser explicado pelo social, como diria Émile Durkheim. Utilizar termos essencialistas do campo da biologia, filosofia ou psicologia é problemático para a ciência social. Ao utilizá-los, engaiolamos as especificidades históricas dentro um princípio universal que unifica tudo em nome das semelhanças. Jogamos fora as particularidades contextuais.


Sociologia Espontânea e os poderes da linguagem


Devemos submeter a linguagem comum a uma crítica metódica. O erudito não está imune de usar um jargão comum, das prenoções. O sociólogo também deve tomar cuidado com os conceitos mecânicos, historicistas e biologicistas ao fazer ciência ou ao propagar discursos eruditos por aí.


Alguns termos mais intelectualmente sofisticados escapam a uma refutação científica. Ex. O brasileiro é corrupto. Ex. A identidade do povo. Ex. O ethos do mestiço. Ex. A universidade só tem comunista. Em resumo, a conclusão encerra qualquer tentativa de refutação. Como refutar os exemplos citados?


O fato a ser levado em consideração, é que muitos cientistas ressuscitam antigas teorias mortas incrustadas ainda no senso comum.


Tentação do Profetismo


O sociólogo de ocasião está disposto a falar o que o público não - especialista quer ouvir, de acordo com suas demandas ou necessidades.


O que é o sociólogo profeta? Aquele que dá respostas últimas sobre um fenômeno social, sobre o homem e seu destino, sobre as grandes causas.


A verdade é que todo sociólogo deve combater em si próprio o profeta social. O intelectual da ciência social não tem por tarefa agradar ao público, muito menos utilizar explicações simplistas com roupa acadêmica. Em geral, o público, o leigo, quer uma verdade que os tranquilize; quer sempre uma explicação para tudo.


Teoria e Tradição teórica


A história da ciência foi feita de rupturas, descontinuidades. As teorias científicas sempre foram colocadas em questão, pois nenhum saber científico é definitivo, mas, sim, provisório.


É necessário não temer a ruptura com as teorias tradicionais. Estas, muitas vezes, estão imbuídas pelas lógicas do senso comum, cheias de abstrações incompletas e teorias de ação social de pretensão universal.


Hoje em dia, é esperado do cientista social sério a construção de teorias de médio alcance. Não cabe mais uma teoria geral do sistema social. A pretensão de síntese teórica dos autores tradicionais, incorre sempre no risco de reduzir tudo numa classificação universal.


Teoria do conhecimento sociológico e teoria do Sistema Social


Os autores do livro, propõe, então, cristalizar uma teoria do conhecimento sociológico, como um guarda - chuva epistemológico que fundamenta as teorias parciais do social (movimentos sociais, feminismo, classes sociais, desigualdades etc.) que se devem limitar-se a um conjunto de fatos. A teoria do conhecimento sociológico, é, portanto, um princípio unificador do discurso sociológico; é uma metaciência que inclui a lógica e a epistemologia da ciência; em suma, orienta os limites do fazer ciência.


Já a teoria unitária do sistema social é outra coisa. Esta é afeita a teorias gerais e globais das formações sociais, que sempre se orientou por uma pretensão de uma representação tradicional da teoria e da representação positivista, que buscava um conjunto de leis experimentais universais, escamoteando todas as incoerências, lacunas e contradições da empiria. Uma pretensão de uma Suma Sociológica.


Considerações finais


A grande questão que se coloca atualmente para os cientistas sociais é como lidar com a tentação vaidosa de submeter o conhecimento científico a critérios subjetivos - sempre dispostos a confirmar sua ilusão do fato dado - muitas vezes, inclusive, buscando agradar admiradores nas redes sociais virtuais, nos movimentos sociais e no campus universitário. Será que não estamos envaidecidos demais, e, também, obrigados por uma certa imposição social de sermos intelectuais públicos que dão respostas a todas as coisas? Dar respostas que agradam ao público consumidor de verdades absolutas, é o correto? Acredito que um dos grandes desafios dos cientistas sociais atuais é esse incessante trabalho de vigilância epistemológica, dentro e fora da universidade.


Mesmo o intelectual público deve lutar contra a sociologia espontânea; deve, acima de tudo, trabalhar para manter acesa o espírito científico da ruptura. Não deve o intelectual público render-se aos imperativos das certezas teóricas dos grupos da sociedade; não deve ter medo dos cancelamentos virtuais, e muito menos de ser coagido pela histeria do vulgo.




Referência: BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. O oficio de sociólogo. 8ºed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015.


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