O termo “polícia” tem origem no grego polites, que dava nome aos cidadãos participantes das tarefas administrativas, políticas e militares da polis (cidade-estado grega). Tanto é que a palavra também deu origem ao termo “política”.[1]
A separação definitiva entre polícia e política ocorre na Modernidade ocidental. Mas essa separação de Poderes, exportada da Europa aos locais mais longínquos do mundo, nunca foi tranquila. A tensão é constante.
Outrora, a noção de polícia era bastante alargada, pois designavam as leis constitucionais e políticas e, também, relacionadas a questão da segurança pública dentro e fora do território.[2]
No caso do Brasil, antes da chegada da Família real portuguesa, em 1808, o poder militar e jurídico era unificado. A separação e restruturação de funções vai funcionar até o golpe militar, contra a Monarquia e D. Pedro II, em 1889, quando os milicos marcaram território no campo da política, na época com ideologias positivistas de Ordem (segurança, estabilidade) e Progresso (mudança, transformação social). Daí por diante, durante toda a história do Brasil, militares sempre buscaram interferir na política e no judiciário. Golpes e tentativas de golpes foram comuns.
A separação entre Poderes no Brasil sempre teve resistências das Forças Armadas. Liberais e conservadores implantaram toda uma aparelhagem moderna, do Estado de Direito, com alicerces republicanos, mas a mentalidade de que a caserna não deve colocar o bedelho na gestão das cidades nunca foi superada. Importamos o modelo, mas não mudamos a cultura, nem dos militares, nem do Brasil profundo, que acredita no autoritarismo (obediência total e cega, a exemplo de ditaturas, tiranias, monarquias absolutistas que priva inúmeras liberdades).
Em parte, isso esclarece a tensão constante em que vive a nossa democracia atual. O fim da Ditadura Militar no Brasil foi um pacto entre elites políticas e econômicas com os militares. Não foi uma ruptura, mas uma conciliação. Isso explica, inclusive, como chegamos ao Governo Bolsonaro e seu bolsão de militares aparelhados nos cargos da República e inquietados por uma possível ruptura institucional, com a justificativa de que toda a política e judiciário estariam apodrecidos por ideologias comunistas, atraso econômico, promiscuidade com o capital externo e por interesses escusos que atentam contra a democracia e o "futuro do povo brasileiro" (conceito, aliás, bastante abstrato).
Mas não podemos esquecer que antes de Bolsonaro, os militares, ociosos desde a Guerra do Paraguai, no século XIX, foram acariciados com boas gratificações, ótimos cargos ao alto escalão, gordas pensões, excelente aposentadoria, bons salários e promessas de não serem penalizados, robustamente, por ações passadas.
Militares acreditam ser os únicos preocupados com os problemas do país; de ver justiça onde há injustiças, cometidas por decadentes elites políticas, capturadas por interesses econômicos e privativos, ou cometidas por um Judiciário que escorrega em suas atribuições de garantir e defender os direitos constitucionais. Mas eles não entenderam que são tão contraditórios, escorregadios (vide o caso das joias, cloroquina e tantas bizarrices, como compra de futilidades - festival de picanha e cerveja - que destoam dos interesses da República) [3] e capturados por ideologias obscuras, por manterem uma certa mentalidade aristocrática (no sentido de distinção), similar às elites brasileiras, e uma aura cômica de salvadores da pátria amada.
Devemos buscar uma saída lógica e estável que dê conta de resolver as graves disfuncionalidades políticas, econômicas e sociais, crônicas no Brasil, e, com isso, manter os militares na sua função moderna, tal como apregoa o próprio Exército: "contribuir para a garantia da soberania nacional, dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, salvaguardando os interesses nacionais e cooperando com o desenvolvimento nacional e o bem-estar social -"[4]. Ou novas tentativas de ruptura institucional estarão no horizonte como projeto político civilizatório.
Militares padecem também do mesmo mal que atinge a uma parcela significativa da sociedade: a prepotente e ilusória superioridade moral, com o agravante, amedrontador, de possuirem fuzis e tanques de guerra.
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Link da imagem: https://portalnovonorte.com.br/noticia/49249/governo-lula-finaliza-pec-que-proibe-militar-em-cargo-politico
Notas
[1] https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/antes-da-policia-antigas-civilizacoes-contavam-com-solucoes-nebulosas.phtml [2] AFONSO, João José Rodrigues. Polícia: Etimologia e evolução do conceito. Revista Brasileira de Ciências Policiais. Brasília, v.9, n.1, p.213-260, jan/jul, 2018.
Muito bom texto. Recentemente estava discutindo isso nas aulas do mestrado com um professor, e a necessidade de uma reforma nas polícias/forças militares é absolutamente necessária, até porque já passou da hora de nós superarmos esse 'entulho' autoritário que ganhou corpo pós-1964, e é incondizente com qualquer país que se pretenda uma democracia consolidada. A abordagem das polícias, guardadas as proporções de tempo e de desenho organizacional/funcional, continua muito similar ao que faziam os militares na perseguição aos 'inimigos da pátria'. Essa reforma é imperativa, até porque a polícia (assim como as forças armadas) também vem sendo objeto de desconfiança da sociedade civil há muitos anos, juntamente com outras instituições da república. Há que se pensar um reenraizamento das forças…