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BOLSONARO É FASCISTA? CLARO QUE NÃO, DIZ ŽIŽEK!!!!!!

Atualizado: 13 de jun. de 2021





No ano de 2019 eu recebi um artigo de uma colega que me surpreendeu bastante, não apenas pela pesquisa muito bem feita, ou pela escrita bem estruturada, mas pelas conclusões extremamente originais. Ela pesquisava sobre violência sexual contra criança, sendo um tema recente, polêmico e, por isso, ainda um tabu. Depois de encontrar pelo caminho vários dados empíricos, como números, relatos e até fotos, ela sugeriu algo impactante no texto, algo que mexeu muito comigo, assim como entrou na minha cabeça de um jeito inesperado. Apesar do que dizem e pensam por aí, segundo ela não podemos oferecer à criança a imagem de que o agressor sexual é um “monstro”, alguém “malvado”, “cruel” ou “estranho”, principalmente porque a agressão acontece de forma sutil, muitas vezes até imperceptível, resultado direto do comportamento de pessoas que a criança associa com carinho e afeto. Ou seja, o assédio não pode se apresentar como uma caricatura, de um jeito simplificado, caso contrário a criança não vai ter condições suficientes de identificar e combater o assediador. Seguindo o mesmo raciocínio, acredito que no caso do fascismo algo parecido acontece. Não acredita? Vamos, então, ao nosso texto de hoje!!!


A linguagem é uma ferramenta importante, sem dúvida, já que organiza nossa experiencia, até mesmo aliviando o peso de problemas, tensões e crises. Nesse processo pragmático de organização, é normal que o mundo seja simplificado, abstraído. Por esse motivo, até mesmo conceitos podem se esvaziar, perder complexidade, embora ganhando performance, eficácia e difusão. Palavras como “fascismo” são usadas como instrumentos práticos, ou seja, ferramentas que agregam e nomeiam, assim como oferecem um retrato claro e simples do mundo ao meu redor. Até aí não existe qualquer problema, nem mesmo um traço de incômodo da minha parte, a não ser por um simples detalhe: “o excesso de simplificação”. Como diria Djamila Ribeiro, ao se referir ao mal uso que fazem do seu conceito de “lugar de fala”, esse exagero reducionista pode trazer muitos riscos consigo, principalmente graças a um tipo de pressa não apenas perigosa, como incompatível com a atitude científica e política.


“Não se trata aqui de diminuir a militância feita no mundo virtual, ao contrário, mas de ilustrar o quanto, muitas vezes, há um esvaziamento de conceitos importantes por conta dessa urgência que as redes geram” (RIBEIRO, 2017, p. 31).


“Fascismo”, enquanto uma palavra que passeia (e muito) pelas redes sociais, quase como se brotasse espontaneamente de chats, posts e memes, é quase sempre apresentada de uma forma caricatural, como se o fascista fosse sinônimo de “preconceito”, “repressão” e “autoritarismo”. Ou seja, a atitude fascista é associada a algo que oprime minha identidade, limitando quem eu sou, o que eu quero, ao mesmo tempo que é um obstáculo entre o meu eu e o meu desejo. Seguindo uma conclusão lógica, o contrário do fascismo, portanto, seria uma alternativa que podemos chamar facilmente aqui de liberal: a afirmação da identidade, a afirmação do próprio desejo e o campo das escolhas e das alternativas. Esse é o grande problema contemporâneo com os debates (informais) sobre fascismo. Eles sugerem a imagem do fascista como uma simples caricatura, deixando de lado a complexidade do conceito, em especial na sua versão contemporânea (ver abaixo). Sobre essa complexidade, não preciso ir tão longe, nem sequer preciso falar de autores mais recentes como Slavoj Žižek, Terry Eagleton, Vladimir Safatle e Christian Dunker. Até mesmo Adorno, na década de 30, quando precisou viajar até os EUA, por conta da expansão nazista na Europa, encontrou na terra da liberdade e das escolhas um espaço fértil ao fascismo, o que poderia soar como uma ideia contraditória. Em Adorno, a oposição entre Fascismo, de um lado, e liberdade, do outro, parece não apenas ingênua, como até mesmo infantil.


Em estudos contemporâneos sobre o espectro fascista, destacando aqui um dos primeiros trabalhos de Žižek (Eles não sabem o que fazem), publicado em 1989, o fascismo não pode ser identificado com a figura clássica do superego freudiano, ou seja, uma figura que reprime, que diz não, aquilo que Foucault chamaria de poder negativo. Segundo Žižek, todos nós vivemos hoje em um outro modelo de superego, gerando consequentemente uma outra forma de entender os contornos da atitude fascista. Sem dúvida, podemos rotular isso de várias formas, como fascismo liberal, fascismo da felicidade, fascismo pós-moderno, embora todos se encontrem em um mesmo ponto de convergência. Esse tipo inédito de fascismo, não se opõe aos indivíduos, aos seus gostos, aos seus desejos, mas os incentiva, demandando que afirmem sua própria identidade, as próprias escolhas, em uma busca alucinada por holofotes, aplausos e “joinhas”. O objetivo não é mais seguir o rebanho, mas ser diferente, se destacar, ao mesmo tempo que é preciso acolher toda essa individualidade liberal, assim como nossos traços únicos e exclusivos. O capitalismo, da mesma forma, prospera nesse oceano de individualidades, nesse indivíduo que precisa ser diferente, especial, único, seja em termos éticos, e sua preocupação com meio ambiente e coisas do tipo, ou em termos epistemológicos, e sua busca por formas críticas e politizadas. O capitalismo tem uma estrutura fascista, com certeza, mas não uma face vulgar, caricatural; não aquele fascismo que te ofusca, te bloqueia, te reprime, mas um fascismo que te incentiva, te acolhe e cobra que sua singularidade esteja escancarada a cada momento, a cada detalhe, em cada plataforma digital.


É preciso deixar claro que não existe qualquer problema em definir Bolsonaro como fascista, o que pode até mesmo ser verdade. O problema começa quando o fascismo é apresentado de forma caricatural. Essa estratégia pode parecer útil a curto prazo, eu sei, já que é pragmática e politicamente eficaz. Contudo, a longa prazo isso pode gerar problemas graves, como na história contada no início desse ensaio. Precisamos ter cuidado sim com o fascismo, mas principalmente com suas vertentes mais sutis e amistosas, como aquela liberal e seu compromisso com a individualidade. É preciso ter cuidado não apenas com a figura clássica da mãe superprotetora, e repressiva (o superego ortodoxo), mas também a mãe permissiva, aquela que se apresenta como amiga do filho, em uma posição de suposta horizontalidade. Da mesma forma, diria Žižek, a figura do novo patrão, aquele que jamais se apresenta como superior, mas como um igual, como um colaborador como qualquer outro, carrega traços problemáticos. É preciso, portanto, ficar de olho nessa nova forma de fascismo, já que não é tão desengonçada e óbvia como a outra. Bauman, em seu livro mal estar na pós-modernidade, também contrasta a figura do super ego tradicional, o freudiano, e o novo super ego contemporâneo, esse mais permissivo, mais descentrado, mais acolhedor, embora não menos violento. É preciso sim questionar a postura autoritária, mas não podemos ser ingênuos... o fascismo contemporâneo não é mais autoritário, a não ser as múmias que ainda restaram, múmias que tentam retornar aos tempos antigos. O fascismo de hoje é muito mais perigoso, não se enganem!!! Se você acha que ele simplesmente te reprime, olhe de novo, olhe com calma nas suas redes sociais, no seu instagram, assim como as fotos maravilhosas que você publica afirmando sua felicidade, seus gostos singulares e sua identidade original!!! Lembre... o fascismo contemporâneo não é repressivo, mas permissivo!!!


REFERÊNCIAS


RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento/ Justificando, 2017


REFERÊNCIAS DA IMAGEM:

https://domtotal.com/periscopio/2276/2020/11/o-fascismo-de-bolsonaro/

 
 
 

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