Borgen é uma série televisiva dinamarquesa nascida em 2013. Inicialmente com três temporadas, está disponível no streaming da Netflix, que apostou numa co-produção de uma quarta temporada. Sucesso de audiência no país de origem e mundo afora. O título é um termo informal para referir-se ao Palácio de Christiansborg, em Copenhague, que compõe o Gabinete da Primeira Ministra, a Corte Suprema e o Parlamento.
A Dinamarca faz parte de um Reino, composto também pelas Ilhas Feroe e Groelândia; é uma monarquia constitucional. A monarca atual é a rainha Margarida II, no trono desde 1972.
Na série, a protagonista Birgitte Nyborg é a primeira ministra mulher da história da Dinamarca, interpretada pela excepcional Sidse Babett Knudsen. Na vida real, Helle Thorning-Schmidt tornou-se também a primeira liderança feminina a ocupar o posto de chefe de governo, entre 2011 a 2015.
Destacarei três elementos que podem fazer você ter vontade de assistir a série.
Protagonismo feminino. Sim, a série foca na força e astúcia de Nyborg para lidar com a predominância da testosterona na política dinamarquesa e a desconfiança dos eleitores. Também é uma malabarista para lidar com as situações privadas, que inclui amigos e família. Não é nada fácil ser a primeira mulher a comandar um cargo tão poderoso. Precisa afirma-se dia após dia. Em casa, ela necessita ter pulso forte na criação dos filhos e na manutenção do relacionamento conjugal, que oscila bastante. É um jogo de cintura entre as ocupações privadas, mãe e esposa, e o mundo público.
Além de Nyborg, a jornalista Katrine Fønsmark (interpretada por Birgitte Hjort Sørensen) tem um destaque importante. Ela vive uma luta entre a autenticidade e a subordinação do cargo, da direção, dos superiores. Por outro lado, também vive romances complicados. Busca status social, mas não abre mão da ética profissional.
Bastidores da política. Cada episódio é um aprendizado de como ter aliados, fazer concessões, abrir mão, algumas vezes, do que não se faria em hipótese nenhuma fora da política. Mas a lição é que na própria política jamais pode-se dizer “nunca vou fazer isso ou aquilo”. Afinal, o adversário de hoje pode se tornar o grande aliado de amanhã. Sem coalizão não há governança, estabilidade e durabilidade possível numa democracia liberal. É preciso entender a arte dos acordos sem derramamento de sangue.
Ao tornar-se primeira ministra, a protagonista do partido moderado, de centro, precisará jogar com os aliados da base governista, ter as lideranças sob controle, principalmente do partido trabalhista, de maioria no Parlamento, a fim de convencê-los de seus projetos. Como sabemos, na vida real a negociação de cargos é extremamente funcional na aprovação das leis.
O troca troca de ministros e a influência da alta burguesia sobre a suposta autonomia da política, também é colocado na mesa de negociações. Nyborg é obrigada a lidar com outras questões, como as de política externa, exemplo da situação do país em conflitos armados e espionagem envolvendo outras nações, decorrentes dos acordos de governos anteriores. Não é fácil ter a última palavra.
A mídia. A imprensa na Dinamarca não é moleza. Por um lado, tem uma mídia mais light ao governo, mas sem perder a imparcialidade; e por outro, órgãos jornalísticos, como a Express, por exemplo, que atua de forma bem sufocante, extrapolando limites aceitáveis, detonando as iniciativas do governo e trucidando reputações parlamentares.
A importância da mídia ao noticiar os eventos políticos; a escolha das matérias (serve a quais interesses?); a busca pela audiência; a necessidade de criar conflitos entre parlamento e gabinete, entre partidos, entre ministérios, entre os adversários políticos, tudo isso faz parte desse mundo borgensiano. É uma tremenda aula de racionalidade, do que fazer e do que não fazer. E uma aula sobre a relação entre política e imprensa.
É enorme o papel do porta voz, do assessor político da primeira ministra, protanizado pela personagem Philip Christensen. Todo político que se preze, independente do capital político, social e intelectual, deve ter seu conselheiro ali por perto. Sério mesmo! Faz muita, muita diferença! Sobretudo ele/ela conhecendo os meandros da mídia, os diferentes veículos, saberá soltar alguma informação do interesse do governo. A imagem do político na democracia de massas, e isto é uma grande lição, tem uma importância considerável frente à opinião pública e ao povo em geral. Isto é também bastante decisivo na corrida eleitoral e na pressão que a oposição faz para antecipar as eleições e virar o jogo.
A protagonista guarda princípios. Não faz qualquer coisa para manter-se no poder; ela tem o que Max Weber, em Política como Vocação, qualifica como uma personalidade política vocacionada: paixão, senso de responsabilidade e senso de proporção. Ela tem o poder e mantém uma fé: tornar a Dinamarca um país mais inclusivo e menos desigual.
No drama dinamarquês, não há, como se diz, “algo de podre no Reino da Dinamarca”, mas também não é um mundo florido de Pollyanna.
Link da imagem: http://www.adorocinema.com/series/serie-9814/
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