Provavelmente você já deve ter ouvido falar da série americana, baseada em livros da escritora Julia Quinn, que está causando na Netflix desde o seu lançamento em 25 de dezembro: Bridgerton.
O enredo passeia pelo competitivo mundo da alta sociedade inglesa do século XIX, cheio de intrigas e fofocas, no melhor estilo Gossip Girl.
Seus livros contam a história de uma família, os Birdgerton, e suas desventuras. O foco desta primeira temporada da adaptação para as telas é a filha mais velha, Daphne. Nela vamos acompanhar sua apresentação à sociedade britânica e seus encontros e desencontros com o Duque – Simon Basset.
Este último ganhou o público feminino de tal forma, à ponto da série começar a ser apelidada pelas espectadoras de Série do Duque Bonitão – para não dizer outras coisas. Apesar de Simon roubar a cena (não há como negar) há muito mais em Bridgerton para cativar a quem escolher enveredar pelos seus episódios.
Ainda não li a obra que deu origem ao seriado, mas ao assistir não tive como evitar a lembrança do universo da minha querida Jane Austen (escritora inglesa), da qual falei alguns textos atrás aqui na coluna.
Claro que a narrativa de Quinn tem muitos nuances particulares. Além do mais, ainda está misturada com o estilo da roteirista Shonda Rhimes (famosa por Grey’s Anatomy e How to Get Away With Murder).
O clima é bem parecido ao de Austen, no entanto, há alguns pontos peculiares que as diferenciam.
Mas vamos ao além do Duque prometido no título?
O primeiro de tudo é o empoderamento feminino.
Algo que você logo irá notar ao iniciar o programa é quem conta a história. Lady Whistledown é a voz que permeia toda a trama, uma mulher misteriosa que aponta os pormenores e escândalos dessa high society de época.
Muitos personagens se impressionam, giram em torno e até tomam atitudes por conta da dissertação da Lady anônima. E todos ficam em polvorosa para saber quem é essa mulher que escreve tão bem e se destaca, nesse meio masculino. Ela realmente manipula e encanta.
O girl power não fica restrito à Whistledown. As mulheres estão “em negrito" em Bridgerton, sendo reais protagonistas. Não espere a mocinha que fica no seu canto aguardando todos os movimentos masculinos. Elas agem e reagem bastante durante o enredo, e vão muito além de desfilar em torno dos moçoilos.
Um segundo exemplo de personagem forte nessa temática é Eloise, irmã de Daphne, que além de ir contra a corrente das moças de sua idade é muito bem humorada. O seriado, sem dúvida, é deveras feminista.
Um outro ponto maravilhoso da série é como as questões raciais foram tratadas. Pretos e pretas também ganharam realce, deixando por terra as cotas de Hollywood.
Eles também são figuras principais da história, a exemplo da Rainha, do Duque e de Lady Danbury, dentre outros. É muito bonito ver como seria se não houvessem divisões de classe por etnia, racismo ou preconceito, em um mundo ideal, onde todos tivessem boas condições de vida, frequentassem os mesmos espaços e se relacionassem sem constrangimentos.
Como se não bastasse tudo isso, chego no aspecto que mais me tocou em Bridgeton: uma análise leve e sutil de como podemos nos prender ao que vamos acreditando sobre nós mesmos ao longo da vida.
A série fala muito de imagem, "um outro" que enxerga cada um ali e como essa visão pode interferir no seu comportamento, a depender da importância que se dá a ele. Quantas vezes nos pegamos dando muito peso ao olhares do outro e no que irá pensar sobre nós, isso pode ser bem complicado - se medir através da régua do outro.
Além disso, é abordado como os protagonistas se vêem, suas falhas e medos. Elas/eles são cheios de imperfeições, como nós. O roteiro mostra onde se localizam suas dores emocionais.
Estou tentando não lhes dar nenhum spoiler, leitores, mas pode-se dizer que a narrativa aponta, em um personagem específico, como a forma de criação, infância, interfere no jeito que se enxerga e no que faz ao longo da vida por conta disso - o que tem papel central em sua trajetória. Deixo que você descubra de qual deles estou falando.
Sei que já dissertei sobre o efeito de nossas crenças (em como nos vemos e vemos o outro - uma forma/padrão de pensar que foi construída principalmente quando fomos crianças, tão limpas e vulneráveis emocionalmente), mas é sempre bom ver esse tipo de análise aparecer de forma tão perspicaz em uma produção. E o desfecho para o personagem citado acima em relação a tal situação é muito belo e bem explicadinho, digamos.
Bom, eu disse que era o último ponto, mas não posso deixar de dizer mais uma coisa. Adorei a forma como a Lady Whistledown escreve e se dirige aos seus leitores e, consequentemente, à nós espectadores. Me lembra um pouco o meu jeito de escrever pra vocês (sem querer ser presunçosa viu), pois gosto de conversar com o leitor/leitora. Acho que já perceberam isso, né?
Enfim, me despeço por hoje e espero que tenha lhe dado um gostinho de como esta série ultrapassa a beleza do bem quisto Duque Simon, em múltiplos sentidos.
Imagem:
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