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CELULAR É LUGAR DE ASCENSÃO SOCIAL



Da boca de quem alega que a vida é melhor sem o celular está uma realidade que não lhe é esclarecida: celular é uma ferramenta de ascensão social para quem não tem poder econômico e social.


Ando percebendo uma nova onda entre famosos e pessoas em altos lugares de ascensão social que estão se abstendo do uso constante dos celulares smartphones e outras tecnologias do tipo. Alguns têm proclamado até o uso do modelo analógico, feito apenas para fazer ligações telefônicas e mensagens de texto. Muitos alegam o vício nas redes sociais e no uso de aplicativos como um dos principais motivos para desistir da ferramenta. Eles proclamam como o celular tem dominado suas rotinas e como seus hábitos melhoram quando o celular não governa suas vidas.


Esse tipo de discurso se espalha e é amparado por publicações pela internet sobre os males do uso do celular, com efeitos danosos ao nosso cérebro, afetando nosso equilíbrio emocional e até nossa cognição. Esses textos ditam como precisamos aprender a fazer um detox dessa tecnologia, para que ela não se torne uma prisão para todas as nossas atividades diárias. Se lemos, usamos o celular, se nos divertimos com alguma série, lá está o celular, se queremos interagir com amigos, eis o celular, se queremos pedir o almoço, vale o celular, se vamos pagar uma conta e fazer uma transação bancária, novamente o celular dá as suas caras. Mas, antes, todas essas coisas eram feitas sem ele, logo, por que não experimentar isso de novo?


Para quem está na base da pirâmide social, vivendo um dia de cada vez, tentado conseguir um alimento possível e sobrevivendo à margem de qualquer segurança política, social e econômica, a resposta é simples e direta: porque não! Essas pessoas sabem o que significou ter acesso a um sistema que lhe abriria caminhos que, apesar de não trazerem justiça social, colocam em aberta oportunidades que antes pareciam imensamente distantes e incabíveis. Um pouco de entendimento das ferramentas, cliques feitos do jeito certo e uma rede de contatos mais ampliada podem mudar a vida de seres humanos que não têm a menor ideia como encontrar dignidade na geladeira da sua cozinha ou no teto que cobre sua cabeça.


Agora milhares de pessoas podem conhecer, por exemplo, a história de desamparo de Seu João que, só foi ao ar, porque um celular tirou fotos e fez vídeos da situação e o material foi exposto em alguma página de rede social voltada à solidariedade. Em uma semana, alguém pode ligar e dizer que uma gorda doação está prestes a entrar na conta dele e isso pagaria todas as suas contas atrasadas e ainda garantiria o pagamento de uma nova casa para ele e sua mãe idosa e doente. Depois, uma videochamada o avisaria que uma faculdade importante estaria disposta a dar uma bolsa de estudos para seu filho mais velho. Em alguns anos, seu garoto estaria trabalhando em um escritório de advocacia e sua família experimentaria uma qualidade de vida muito melhor, com segurança de moradia, alimentação e saúde. Quem não gostaria de experimentar isso?


Claro que esse tipo de comoção por tristes histórias, com apoio e ajuda direta, sempre aconteceu, seja pelo entretenimento televisivo, seja pela movimentação das mulheres de sociedade e seu empenho filantrópico. Só que agora o sujeito não precisa mais esperar alguém bater à sua parte e atender sua necessidade. O celular de um vizinho pode gravar a sua miséria e viralizar rapidamente na internet. Falando nisso, nem sempre a viralização precisa ser de desgraças. Os trejeitos, histórias e a rotina das pessoas da família do Seu João podem se tornar personagens assistidos por milhares de seguidores, abrindo as portas para uma segurança financeira inesperada. Foi basicamente isso o que aconteceu com Carlinhos Maia, influencer milionário que começou sua “carreira” com vídeos descontraídos da sua rotina no interior de Alagoas. Um celular: uma e muito mais vidas transformadas.


E nem precisa ser algo tão exponencial quanto um boom na internet. As ferramentas de um celular amparam o tempo e a qualidade de vida dos explorados pequenos empreendedores brasileiros. Assim como, quando eu comprei um doce com uma senhora que produz o alimento em casa e ela me estendeu um cartão de apresentação com um QR code. Apontei a câmera do meu celular e fui direto ao contato dela, tornando nossa comunicação muito mais eficaz para futuras encomendas. Imagina se ali estivesse um número de telefone e eu perdesse o cartão? Ela não teria mais uma cliente e eu esqueceria do assunto, procurando outra nova opção de doceria, caso quisesse novamente o lanche anterior.


É claro que precisamos falar que o capitalismo também fez da tecnologia sua forma de precarizar ainda mais as condições de trabalho e aumentar os lucros das grandes empresas de aplicativo. A uberização do trabalho trouxe a flexibilidade perfeita para patrões não terem cara ou sala de chefia. O funcionário da Uber ou do Ifood não tem como, sozinho, reclamar ou reivindicar por direitos, pois, nem sabe onde está aquele que o contrata. Coletivos precisaram ser formados (e informados) para acatar essa causa e cobrar das empresas e dos governos condições mais justas de trabalho. Novamente, o celular entra na roda quando os entregadores denunciam o que vivem através de vídeos e fotos da sua rotina de trabalho.


Celular é uma forma de ascensão social, sim! E isso irrita - e muito - quem está em camadas superiores, especialmente aqueles que validam os discursos meritocráticos. Como foi o caso da blogueira Maíra Cardi que, ao receber a mensagem de uma seguidora pedindo ajuda para comprar leite ao seus filhos, declarou que ela deveria simplesmente vender o celular que estava usando para mandar essa mensagem e comprar o alimento necessário. Afinal, comer é essencial, celular, não, certo? Errado! Para quem está sempre atrás nas oportunidades e recursos, o celular é sua ferramenta possível de ficar um passinho à frente do que comumente estaria sem ele. O leite pode ser pedido pelo celular para resolver uma necessidade imediata e depois ser a forma da pessoa se comunicar com a família que mora distante e quem sabe, descobrir sobre uma oportunidade de trabalho que ofereça creche, permitindo com que ganhe um salário e não gaste todo ele com uma cuidadora para seus filhos.


A raiva de quem detém poder sobre o celular estar nas mãos da população em geral e, especialmente, dos mais declaradamente fodidos em todas as condições dignas de existência é ter a sensação de que essa ferramenta deixou de ser uma exclusividade de quem atesta poder econômico. Seu descarte por versões melhores faz com que essa tecnologia, em menor qualidade, seja entregue para mais pessoas e aí, de repente, o advogado e o porteiro do prédio podem ter o mesmo celular. Não é mais exclusividade da sua classe. “Qualquer um” pode ter o que parecia ser algo de acesso afunilado à capacidade de acumular capital. E aí, para esse advogado se diferenciar do porteiro, ele precisa trocar seu aparelho para a versão recém-lançada ou, quem sabe, deixar de usar o celular porque ele não quer ser dominado por essa tecnologia…


Entendeu a lógica? Quem se desfaz aleatoriamente do uso do celular quer jogar na cara da massa salarial que eles não são iguais, que ele não precisa depender inteiramente dessa tecnologia para garantir o dinheiro caindo na conta, a melhor rede de contatos ou a solução de todas as necessidades da sua rotina (afinal, basta ele entregar as contas para a sua assistente para ela resolver isso pelo computador da empresa). A abstinência do celular é um privilégio e as pessoas que podem detê-lo cobrem esse poder com a ideia de que estão querendo fazer um “jejum das tecnologias”, algo impossível para o trabalhador tradicional.


E você, pode se abster de ficar sem celular e se dar o luxo de perder o acesso a aplicativos, redes sociais e outras ferramentas desse aparelho?


Fonte:





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carlosobsbahia
carlosobsbahia
07 juil. 2023

Trabalhar nas redes é trabalho precarizado sim,apesar da ascensão. Nos tornamos dependentes da tecnologia.

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